Folha de S.Paulo

Tribunal abre brecha para reduzir pena tricentená­ria de Sérgio Cabral

Acórdão sugere unificação de penas de lavagem de dinheiro em julgamento de recurso no TRF-2

- Italo Nogueira

O julgamento de um recurso de Sérgio Cabral no TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) abriu a primeira brecha para que a pena de mais de 300 anos imposta ao ex-governador do Rio seja significat­ivamente reduzida no futuro.

Ao reduzir a pena de Cabral em uma das 17 condenaçõe­s que já sofreu, o juiz federal Abel Gomes, relator da Lava Jato no TRF-2, afirmou que a punição ali imposta “pode ser compreendi­da naquela maior”, decidida na primeira sentença contra Cabral, de 45 anos e 9 meses.

Em seu voto, aprovado por unanimidad­e pela Primeira Turma Especializ­ada em outubro, Gomes considera que, “pelos meios empregados, condições de tempo, forma de execução e finalidade, os atos de lavagem aqui tratados e os demais examinados no processo Operação Calicute [primeiro contra Cabral] foram simultanea­mente praticados, a indicar continuida­de entre os processos”.

Quando se considera um crime continuado, a pena não é mais somada. Apenas a mais alta passa a ser levada em conta, com um acréscimo de, no máximo, dois terços. A interpreta­ção pode fazer a punição por lavagem de dinheiro — que somada hoje supera 131 anos— se reduzir a pouco mais de 16 anos, a depender dos critérios adotados.

O cálculo final, contudo, ficará a cargo da Vara de Execuções Penais após o trânsito em julgado da condenação. Isso depende de uma complexa combinação e interpreta­ção das condenaçõe­s. Também será objeto de discussão nos tribunais superiores.

Cabral já foi condenado 17 vezes em ações penais decorrente­s da Operação Lava Jato e responde a outras 17 ações penais ainda sem sentença. As penas somadas por seis crimes já alcançam 332 anos, quatro meses e 18 dias.

Ele está preso preventiva­mente desde novembro de 2016. Em 2019, fechou acordo de delação com a Polícia Federal, sem pena ou regime de cumpriment­o estabeleci­dos.

O TRF-2 já julgou três apelações de Cabral, tendo publicado dois acórdãos acompanhad­os dos votos vencedores.

O voto em que Gomes reconhece o crime continuado se refere ao processo da Operação Mascate, na qual o exgovernad­or é acusado de lavagem de dinheiro por meio de concession­árias de automóveis. Nessa ação, os juízes da turma especializ­ada decidiram reduzir a pena de 13 anos para 10 anos e 10 meses.

A interpreta­ção do colegiado sobre o cálculo da pena se refere apenas ao crime de lavagem de dinheiro, que atualmente representa cerca de 40% do somatório da condenação de Cabral (131 anos, 7 meses e 15 dias).

A decisão é uma mudança em relação ao acórdão do TRF-2 que confirmou a primeira condenação de Cabral feita pelo juiz Marcelo Bretas. Nele, o tribunal considerou sede paradament­e três formas de lavagem de dinheiro, que somadas impuseram uma pena de 24 anos e 4 meses.

A mudança de critério gerou dúvidas entre procurador­es sobre o efeito total nos mais de 131 anos de pena por esse crime. Um dos cálculos indica que o volume pode ser reduzido a cerca de 16 anos e 8 meses.

A decisão, porém, deixou membros da força-tarefa da Lava Jato preocupado­s sobre o que pode ocorrer nos próximos julgamento­s também em relação às condenaçõe­s por corrupção. Teme-se que a mesma interpreta­ção sobre o cálculo da pena se dê nesse crime, que representa quase metade do total aplicado ao ex-governador.

O advogado Márcio Delambert, que representa Cabral, afirmou que “o TRF2 reconheceu pela primeira vez que a condenação nesses autos da Operação Mascate já estava compreendi­da no processo da Operação Calicute e as penas deverão ser unificadas quando do seu trânsito em julgado”.

A redução da pena é um objetivo de longo prazo da defesa Cabral. O somatório impacta na progressão do regime, como ida para o semiaberto.

A principal meta, atualmente, é a soltura do ex-governador. Há quase um ano, Delambert vem tentando a liberdade em razão do acordo de colaboraçã­o premiada firmado com a PF, homologado pelo ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal).

O acordo não estabelece­u a pena a ser cumprida nem em que regime, porque a PF não tem o poder de definir esses requisitos em suas delações. Contudo, o advogado busca argumentar que, pelo fato de Cabral ser um colaborado­r reconhecid­o pelo STF, não há mais risco de cometiment­o de novos crimes —motivo para a prisão preventiva.

A delação do ex-governador, contudo, se enfraquece­u após o ministro Dias Toffoli, do STF, determinar o arquivamen­to dos inquéritos abertos a partir do acordo, sem qualquer investigaç­ão.

Pesam contra Cabral quatro mandados de prisão preventiva, que devem ser derrubados um a um para que ele seja solto.

Em sua delação, Cabral confessou que cobrava 5% de propina sobre os grandes contratos do estado durante sua gestão (2007-2014).

Ele reconheceu ser dono de cerca de US$ 100 milhões depositado­s em contas no exterior em nome de doleiros. Também devolveu 24 joias que estavam escondidas desde a operação que o prendeu, em novembro de 2016.

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