Sem máscaras nem fiscalização, zona leste lidera ranking de mortes da Covid
Região tem 6 dos 10 distritos de São Paulo com mais óbitos pela doença por 100 mil habitantes
O recrudescimento da pandemia de Covid-19 na cidade de São Paulo tem feito mais vítimas na zona leste da capital. Dos dez distritos com mais mortes por 100 mil habitantes nos meses de novembro e dezembro de 2020, seis ficam na região.
A concentração de óbitos está localizada em um cinturão formado por Água Rasa, Vila Prudente e São Lucas — colados em Sapopemba, região recordista de mortes em números absolutos na cidade, onde o coronavírus já fez 642 vítimas fatais desde março do ano passado.
Entre as áreas mais afetadas, juntam-se ainda os distritos de Aricanduva, Vila Matilde e Tatuapé, bairro de alto padrão da zona leste.
Agentes de saúde, funcionários de UBSs, moradores e comerciantes dessas regiões são unânimes em apontar os motivos da disseminação da doença: a falta do uso de máscaras e de fiscalização de bares e lanchonetes, que reúnem pessoas sem distanciamento.
Por serem bairros residenciais, a maioria dos moradores só utiliza máscara para entrar em alguns estabelecimentos, como padarias e supermercados.
Na rua, boa parte dos pedestres caminha sem a proteção ou a utiliza de maneira incorreta, sem cobrir o nariz e a boca.
Longe dos grandes centros de comércio popular e de áreas que reúnem bares e restaurantes, esses bairros, segundo os moradores, não possuem fiscalização de estabelecimentos para cumprimento de medidas sanitárias nem de horários de fechamento.
A Folha esteve nos distritos com mais mortes na última semana e flagrou inúmeros pedestres e comércios desobedecendo as medidas sanitárias de combate à Covid-19.
“O pessoal frequenta aqui há mais de 30 anos. É como se fosse a casa deles. Ninguém vai usar máscara mesmo”, disse o dono de um bar nas imediações da avenida Sapopemba, na região da Água Rasa, que pediu para não ter o nome divulgado, pois teme ser autuado.
Segundo ele, o local ficou fechado por um mês, no início da pandemia, mas logo reabriu. “Aqui não é como na Vila Madalena, que fecha a rua com um monte de gente. Só vêm os vizinhos. São sempre os mesmos. Não vejo tanto risco”, afirma.
Os bares, dizem os moradores, são frequentados majoritariamente por homens, com 50 anos ou mais —grupo com maior risco de desenvolver a forma grave da doença.
Nas pequenas lanchonetes que servem refeição na avenida Álvaro Ramos, por exemplo, é possível ver mesas e cadeiras muito próximas, além de vários clientes aguardando do lado de fora, sem usar máscara.
O distrito, que fica entre a Mooca e o Tatuapé, registrou a taxa de 46 mortes por 100 mil habitantes entre os dias 5 de novembro e 30 de dezembro, segundo dados do sistema Pro-Aim (Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade), da Prefeitura de São Paulo. Neste período, a média da capital foi de 20,2 óbitos por 100 mil habitantes.
Nem a proximidade com locais de risco, como o posto de saúde do bairro, faz aumentar a frequência do uso de máscara. Em pouco mais de uma hora em frente à UBS Água Rasa, a reportagem contou 37 pessoas passando pelo local sem o uso da proteção. Algumas colocaram apenas para entrar no posto.
“A gente vê as pessoas sem máscara o dia todo por aqui. O pessoal sai para andar com cachorro ou para ir até a padaria e fica com a máscara na mão. Nosso trabalho é avisar, mas ninguém liga”, conta uma agente de saúde
que trabalha na UBS.
Funcionários da unidade relatam que desde meados de novembro os pacientes com suspeita de Covid aumentaram consideravelmente. “Em muitos casos, vemos que são donas de casa e pessoas que não saem do bairro. Percebemos que muita gente que tomava cuidado agora está cansada e acabou baixando a guarda”, diz uma enfermeira.
Na praça IV Centenário, em frente à UBS Vila Prudente, o cenário é semelhante. Boa parte das pessoas não usa máscara, mesmo na frente do posto. “Está muito calor e eu sentei aqui para respirar um pouco. Ficar com essa máscara no calorão é horrível”, diz a auxiliar administrativa Fernanda Rodrigues, 29.
A região é a segunda que concentrou mais mortes por 100 mil habitantes em novembro
e dezembro, com 45,8. Uma funcionária da UBS Vila Alpina diz que em dezembro chegou a faltar prednisona e azitromicina em alguns postos, tamanha foi a demanda de medicamentos para pacientes com Covid.
Morador do bairro desde que nasceu, Cláudio Sorcinelli, 71, dono de um restaurante, teme por um novo fechamento de comércios em razão da alta de casos. “Tenho tomado todos os cuidados, mas as pessoas insistem em não usar máscaras e ficar aglomeradas. E se as coisas piorarem, e parece que vão piorar, são comerciantes como eu que vão pagar o pato por ter que fechar as portas mais uma vez.”
No vizinho São Lucas, as cenas se repetem. Nos postos de saúde do bairro, a procura de atendimento por pacientes com Covid só cresce, dizem funcionários. Na última quinta-feira (7), o gráfico Isaías Cecílio, 57, aguardava resultado do exame de Covid que havia feito três dias antes. “Estou sentindo dor no corpo, cansaço e perdi o paladar e o olfato. Acho que acabei pegando esse negócio porque me descuidei”, lamenta.
Com cerca de 143 mil habitantes, a região chama atenção por ter registrado, em números absolutos, 61 mortes entre novembro e dezembro. Com o dobro de população, Sapopemba —distrito que fica ao lado e é recordista de mortes por Covid-19 na cidade—, teve 63 óbitos no mesmo período.
Francisca Ivaneide Carvalho, 61, coordenadora na região da ONG Brigada pela Vida, que tem trabalhado na conscientização da importância das medidas de proteção para evitar o contágio, afirma que dois fatores podem ter agravado o número de óbitos nessas localidades.
“As pessoas estão saindo de casa para trabalhar. Quem estava em home office agora tem que ir um ou dois dias para a empresa. E quem é trabalhador informal, com o fim do auxílio emergencial, também teve de voltar à ativa. Essas pessoas podem estar transportando o vírus para esses bairros. Juntando isso ao fato de esses lugares terem muitos idosos, a explosão de casos e mortes já deveria ser esperada.”
Para o infectologista Jamal Suleiman, do Instituto Emílio Ribas, a concentração de mortes nesses bairros é explicada por uma “equação muito simples”. “Quando relaxamos as medidas de segurança, aumenta a contaminação e, consequentemente, o número de mortes.”
Segundo ele, nessas regiões boa parte da população precisa se deslocar para o trabalho utilizando transporte coletivo e, uma vez contaminados, esses trabalhadores podem infectar os moradores dos bairros que não estão se protegendo adequadamente.
“Sei que todos estão cansados, pois o confinamento sob estresse é ainda mais terrível, mas precisamos manter o uso de máscara e o distanciamento. Chega a ser repetitivo, mas sem remédio que cure a doença e a vacinação de uma parcela considerável da população, não há outra alternativa.”