Folha de S.Paulo

Vida pós-Trump

Dividido, Partido Republican­o terá de lidar com a influência do ainda presidente sobre seus quadros

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Acerca de dilemas do Partido Republican­o nos EUA.

O turbulento fim da biliosa passagem de Donald Trump pela Presidênci­a dos EUA, tão agudo que poderá lhe custar os direitos políticos, expõe um dos efeitos duradouros dos anos do bilionário no poder: a divisão do Partido Republican­o, um dos esteios da democracia nos Estados Unidos.

Comentaris­tas argumentam que isso não seria uma má ideia, dado o poço de extremismo que foi cavado no quintal daquele que orgulhosam­ente enverga a sigla inglesa GOP, ou grandioso velho partido —e, em seus melhores momentos, represento­u o espírito libertário e empreended­or da nação.

Mais importante, firmou real alternânci­a de poder com seu irmão siamês, o Partido Democrata. Faces de uma mesma moeda, as siglas se complement­avam e, quando a democracia parecia funcional, encorpavam o sistema de freios e contrapeso­s vigente no país.

No pior momento, o GOP teve Donald Trump à sua frente. Ele não é um bólido exógeno, claro, e sim o produto de forças alimentada­s pelas mudanças demográfic­as e econômicas. Na hora oportuna, tomou de assalto as estruturas de um partido que titubeava.

Foi conduíte da dita América profunda, desaguando na infame invasão do Capitólio. Cada manifestaç­ão da direita radical do movimento Tea Party, nos anos 2000, floresceu na administra­ção Trump.

Como mostram os 147 votos de congressis­tas a favor da tentativa de barrar a eleição de Joe Biden, a contaminaç­ão é estrutural.

Ainda que dez deputados do GOP tenham votado pelo impeachmen­t de Trump e haja uma crescente rejeição a ele no Senado, pesquisa Axios-Ipsos desta semana mostrou que 36% dos republican­os ainda se definem como trumpistas. Dessa forma, o desembarqu­e de partidário­s mais serenos carrega o desafio de não implodir a sigla.

Parece tarefa difícil, como mostrou enquete do jornal New York Times com 40 líderes nacionais do partido. O poder do ainda presidente segue firme entre eles.

A influência de Trump permanecer­á, embora essa seja uma assertiva a ser tomada com um grão de sal: se o ícone perder direitos políticos, ela poderá evaporar —o que talvez não impedirá que outro do mesmo naipe venha reclamar os 75 milhões de votos que chancelara­m o presidente em novembro.

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