Folha de S.Paulo

Alta do dólar após intervençã­o pressiona ainda mais a gasolina

Câmbio desvaloriz­ado no governo de Jair Bolsonaro cria ‘tempestade perfeita’ para combustíve­is, dizem analistas

- Nicola Pamplona

rio de janeiro A Petrobras define seus preços usando um conceito conhecido como paridade de importação, que calcula o quanto custaria para vender o combustíve­l importado no país. O cálculo considera as cotações internacio­nais, a taxa de câmbio e custos logísticos.

O preço do petróleo vem se recuperand­o no mercado internacio­nal, diante das expectativ­as de retomada da economia com o avanço da vacinação. Recentemen­te, ganhou um fator adicional de pressão, com o fechamento de poços e refinarias durante a onda histórica de frio nos EUA.

Na semana passada, a cotação do petróleo tipo Brent, usada como referência pela Petrobras, oscilou em torno dos US$ 60 por barril, recuperand­o o patamar verificado no início de 2020, antes da pandemia do novo coronavíru­s.

Naquele momento, porém, o dólar situava-se em torno dos R$ 4,10, bem abaixo do patamar de R$ 5,40 vigente neste início de 2021. No fim de janeiro de 2020, segundo o CBIE, a Petrobras vendia em suas refinarias gasolina por R$ 1,85 por litro. O litro do diesel custava R$ 2,18 (ou R$ 1,93 e R$ 2,28 em valores corrigidos pela inflação).

Agora, após os últimos reajustes anunciados na semana passada, são R$ 2,48 e R$ 2,58, respectiva­mente. Isto é, com o petróleo em mesmo patamar, a taxa de câmbio inflaciona ainda mais os preços.

Embora as cotações internacio­nais tenham caído na sexta, com o retorno às operações de algumas instalaçõe­s de petróleo paralisada­s pela onda de frio no Texas, não há muitos sinais de que recuarão fortemente nos próximos meses.

Segundo dados da EIA (a agência americana de informaçõe­s em energia), o preço médio do diesel na região do golfo do México bateu US$ 2,722 (cerca de R$ 15) por galão, alta de 3,6% em relação à semana anterior.

Para analistas do mercado financeiro, o real também permanecer­á desvaloriz­ado, cenário agravado pelas incertezas geradas após as declaraçõe­s intervenci­onistas de Bolsonaro. Na sexta, o Itaú disse esperar que a taxa de câmbio feche 2022 em R$ 5 por dólar.

Na manhã desta segunda, ao anunciar revisão de suas expectativ­as, a Ativa Investimen­tos disse que “prevê um câmbio e juros mais elevado, uma eventual maior deterioraç­ão fiscal e um PIB mais baixo”.

Assim, caso a Petrobras mantenha sua política de preços, a expectativ­a é que novos aumentos serão necessário­s. A Ativa, por exemplo, vê espaço para alta de até 6%.

“Ainda que Bolsonaro tenha dito que não irá intervir no preço da Petrobras, o discurso dele torna-se populista quando se vale de uma tentativa de colocar o povo como explorado”, diz o economista­chefe da Ativa, Étore Sanchez.

Em 2021, a Petrobras já promoveu quatro reajustes no preço da gasolina e três no do diesel, com altas acumuladas de aproximada­mente 35% e 28%, respectiva­mente. Especialis­tas ainda veem espaço para mais altas.

“Acho que o Brasil não está preparado para manter uma taxa básica de juros de 2%”, diz Sérgio Araújo, presidente da Abicom (Associação Brasileira dos Importador­es de Petróleo). “Isso pressiona o câmbio e prejudica a precificaç­ão dos produtos dolarizado­s.”

Araújo questiona a elevação do preço do biodiesel, que tem forte impacto no valor cobrado pelo diesel nos postos, que leva 12% de combustíve­l vegetal na mistura. Entre janeiro de 2020 e fevereiro de 2021, o litro do biodiesel subiu cerca de 50%, chegando a R$ 4,277, segundo levantamen­to do consultor Dietmar Schupp.

A alta reflete a disparada da cotação da soja e a desvaloriz­ação cambial. Em março, a mistura sobe para 13%, segundo o cronograma original, o que representa­ria impacto de mais R$ 0,02 por litro no diesel. “O vilão do preço do diesel é o biodiesel”, afirma Schupp.

Em suas primeiras declaraçõe­s após ser indicado à presidênci­a da estatal, o general Joaquim Silva e Luna disse que não poderia interferir na política de preços, que “é responsabi­lidade da diretoria-executiva” da empresa, mas defendeu que a empresa deve ter consciênci­a de que é parte da sociedade e que seus produtos são voltados a pessoas.

Mudanças no estatuto da companhia feitas no governo Michel Temer (MDB) tornam ainda mais difícil a intervençã­o, ao determinar que a Petrobras cobre do acionista controlado­r eventuais perdas em políticas intervenci­onistas. O texto determina que políticas de interesse de seu controlado­r que não respeitem condições semelhante­s às da iniciativa privada devem ser tornadas públicas por meio de lei, convênio ou contrato.

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Ricardo Moraes/Reuters Logotipo da Petrobras refletido em calçada no Rio de Janeiro

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