Yanomamis acusam pelotão do Exército de truculência
Líderes dizem que tenente prendeu indígena inocente; militares negam
manaus Em carta ao Exército e ao Ministério Público Federal, duas associações yanomamis exigem a saída do comandante do 5º PEF (Pelotão Especial de Fronteira), sob acusação de agir de forma autoritária contra os indígenas. O Exército nega má conduta, mas afirma que investigará a denúncia.
O documento, de 2 de maio, acusa o tenente Castilho de entrar em aldeias com homens armados sem autorização das lideranças, de submeter indígenas a revistas truculentas e de ameaçar atirar contra yanomamis. O PEF está localizado ao lado da comunidade Maturacá (AM), na Terra Indígena Yanomami.
“O ápice desta postura autoritária e truculenta aconteceu quando os nossos guerreiros yanomamis estavam retornando da caçaria trazendo as caças já defumadas e acomodadas, como manda nossa tradição cultural para a festa da banana. O mesmo deu um grito forte dando ordens para que a embarcação parasse, para os seus soldados abrirem os volumes que ali estavam e fosse feita a fiscalização”, diz a carta assinada pela Ayrca (Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes) e pela Kumirayoma, uma associação de mulheres.
“Porém, na nossa cultura tradicional, isso não é permitido. Aqueles embrulhos representam a essência do ritual fúnebre dos nossos entes queridos já falecidos. De forma alguma pode ser aberto. Mas o tenente queria abrir e ameaçou dar tiros de fuzil no motor de popa se não fosse obedecido prontamente.”
A mensagem, enviada ao general Alexandre de Mendonça, comandante da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira (AM), diz que os yanomamis não aceitam esse desrespeito e não querem a permanência do militar.
Embora não conste no documento, o catalisador da denúncia foi a prisão, pelo PEF, de um jovem yanomami de 20 anos. Ele é apontado pelos militares como o autor de uma tentativa de estupro, ocorrida no dia 27 de abril contra a mulher de um soldado do PEF.
O yanomami foi preso e mais tarde ganhou liberdade provisória por decisão judicial. Ele continua proibido de voltar para Maturacá.
As associações não negam o episódio violento, mas afirmam que o yanomami levado pelo PEF é inocente.
A afirmação tem o respaldo da Funai (Fundação Nacional do Índio), por meio de ofício da coordenadoria regional ao juiz Atila Nunes.
A Funai pediu que o jovem fosse autorizado a voltar para casa, já que não tem recursos para comida e hospedagem. Os yanomamis estão incluídos na política de proteção aos índios isolados e recémcontatados da Funai.
O episódio acontece no momento de crescente tensão na TI Yanomami por causa da presença maciça de garimpeiros. Além disso, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cogita visitar Maturacá no final deste mês.
Em uma live há duas semanas, ele voltou a defender a legalização da mineração em terras indígenas, afirmou que quer visitar um garimpo ilegal de ouro e que gostaria de instalar postos da Caixa nos PEFs para que os garimpeiros possam vender o mineral.
Via assessoria de imprensa, o Comando Militar da Amazônia (CMA) afirmou que a denúncia causa estranheza e que o tenente Castilho exerce a função há 15 meses sem ter sido questionado pelos yanomamis. Por outro lado, a nota afirma que “todos os esforços estão sendo envidados para apurar rigorosamente o descrito no documento das associações indígenas”.
Segundo o CMA, duas lideranças yanomamis visitaram o comando da Brigada, em São Gabriel, no dia 3 de maio e que, na ocasião, não mencionaram qualquer problema entre o PEF e Maturacá. “A visita espontânea do cacique foi uma oportunidade para reafirmar os laços de amizade e de confiança entre os yanomamis e o Exército, segundo o próprio líder tradicional.”