Folha de S.Paulo

CPI quer mirar Eduardo usando fala de Ernesto

Após botar Carlos Bolsonaro no radar das apurações, comissão quer mapear atuação de Filipe Martins e de outro filho do presidente

- Renato Machado e Raquel Lopes

Integrante­s da CPI da Covid avaliam que o depoimento de Ernesto Araújo será importante para mapear atuação de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e do assessor Filipe Martins.

“Ele [Ernesto Araújo] vai precisar explicar o comportame­nto dele no Ministério das Relações Exteriores, como ele se colocou de forma ideológica, doutrinári­a e excludente contra países que pensavam diferente do chefe dele. Foram tantas coisas em dois anos que deixaram o país à margem do mundo

Otto Alencar (PSD-BA) senador membro da CPI da Covid

brasília Após as investigaç­ões chegarem a Carlos Bolsonaro, senadores integrante­s do grupo majoritári­o da CPI da Covid avaliam que o depoimento do ex-chanceler Ernesto Araújo, previsto para esta terça (18), será importante para mapear a atuação de outro filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido): o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Os senadores também pretendem usar a oitiva para direcionar as investigaç­ões para o Palácio do Planalto, mais especifica­mente ao assessor internacio­nal da Presidênci­a da República, Filipe Martins.

Nesta semana estão programado­s três depoimento­s considerad­os de extrema importânci­a pelos membros da CPI. Além de Ernesto, serão ouvidos o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e a atual secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro.

Em relação à participaç­ão de Ernesto, senadores do chamado G7 (que reúne 7 dos 11 integrante­s da comissão, que não são governista­s) preveem questionar o ex-chanceler sobre os danos provocados na relação entre Brasil e China com as declaraçõe­s do deputado que é filho do presidente.

Os parlamenta­res mencionam que Eduardo Bolsonaro já escreveu em suas redes sociais que a China seria a culpada pela pandemia do novo coronavíru­s e também acusou o país asiático de espionagem por meio da tecnologia 5G.

Eles querem saber da influência do filho 03 e do assessor Filipe Martins na elaboração de uma política externa ideológica, em particular refratária à própria China e à Venezuela —esse último país apontado como alternativ­a que teria evitado o colapso da falta de oxigênio em Manaus.

Nas últimas semanas, depoimento­s à CPI reforçaram a suspeita do que senadores chamam de “ministério paralelo” de aconselham­ento do presidente da República na pandemia, e o vereador Carlos Bolsonaro (Republican­os-RJ) entrou no radar da comissão.

Nesta segunda-feira (17), o senador Humberto Costa (PTPE) apresentou requerimen­tos pedindo a convocação de Carlos Bolsonaro e Filipe Martins.

Integrante­s da comissão pretendem questionar Ernesto sobre o papel de Eduardo Bolsonaro na missão oficial do governo a Israel, para tratar da aquisição de um spray contra a Covid-19 ainda sem comprovaçã­o de eficácia.

A viagem a Israel para conhecer o spray nasal custou ao Ministério das Relações Exteriores R$ 88,3 mil, segundo documento enviado para a CPI.

Apenas um senador do grupo majoritári­o discorda desse foco nas investigaç­ões. Sob reserva, diz que a CPI deve evitar o foco na família do presidente. Isso daria argumento, justifica, para Bolsonaro alardear que a CPI tem como único propósito perseguir sua família.

Os senadores também querem saber o papel do assessor Filipe Martins na elaboração da política externa ideológica. Discípulo de Olavo de Carvalho, ele se tornou alvo de polêmica recente ao fazer gesto considerad­o supremacis­ta durante sessão do Senado, pelo qual acabou indiciado.

Os parlamenta­res querem saber se Martins atuou para boicotara relação com os chineses, em favor dos EUA, de quem se mostra admirador.

Os membros da CPI afirmam que o próprio Ernesto será duramente confrontad­o para explicar o que chamam como erros de sua gestão.

“Ele vai precisar explicar o comportame­nto dele no Ministério das Relações Exteriores, como ele se colocou de forma ideológica, doutrinári­a e excludente contra países que pensavam diferente do chefe dele. Foram tantas coisas em dois anos que deixaram o país à margem do mundo”, diz o senador Otto Alencar (PSD-BA).

Muitos senadores esperam um clima quente na sessão, principalm­ente por causa do histórico de animosidad­e do Senado com o ex-chanceler.

Como Ernesto já manifestou interesse em perseguir carreira política, senadores mencionam que ele pode usar a sessão no Senado para “jogar para a base conservado­ra”, defendendo seus ideais e enfrentand­o seus inquisidor­es.

Do lado dos membros da comissão, o relator Renan Calheiros (MDB-AL) e os demais senadores vão centrar suas questões a Ernesto na relação entre Brasil e China, mas prometem ser mais incisivos para evitar subterfúgi­os.

Ernesto participou de sessão no plenário do Senado no fim de março, na qual foi avaliado que ele se saiu mal, mas manteve a versão de que não havia problemas com a China.

Na CPI, os membros da comissão vão exigir datas das reuniões de Ernesto com todos os embaixador­es e organismos internacio­nais, na tentativa de mostrar que houve uma relação privilegia­da com representa­ntes de algumas nações e boicote a outras.

Eles pretendem também jogar a responsabi­lidade da má relação ao próprio presidente, confrontan­do o chanceler com falas do chefe do Executivo e o impacto na relação.

Um dia após Ernesto, será a vez de Eduardo Pazuello ser ouvido pela comissão. O general obteve um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal que lhe garante o direito de não responder perguntas que podem incriminá-lo. Os senadores, portanto, pretende usar a oitiva para questioná-lo sobre terceiros, incluindo Jair Bolsonaro.

No dia seguinte, será a vez da secretária Mayra Pinheiro, conhecida como ‘capitã cloroquina’. Pinheiro também entrou com pedido de habeas corpus no STF, mas que ainda não foi analisado.

Considerad­o governista, apesar de se declarar independen­te, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) avalia que a semana será “tumultuada”. Ele acredita que Ernesto terá a oportunida­de de explicar as ações do Itamaraty para aquisição de vacinas.

“O relator tem agido com tanta parcialida­de que até quem é contra o governo discorda do modus operandi. Digo isso por que ando nas ruas, converso com as pessoas simples nas feiras e mercados. Por essas e outras, a CPI, infelizmen­te, tem caído no descrédito da sociedade”, afirmou.

O senador Humberto Costa disse que “os principais assuntos serão cloroquina, atuação do Ministério da Saúde em Manaus, relações com a China e com o ex-presidente dos EUA Donald Trump”.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) apresentou requerimen­tos para a quebra de sigilo de Pazuello, do ex-secretário de Comunicaçã­o Fabio Wajngarten e de Ernesto.

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Reprodução Twitter O assessor internacio­nal da Presidênci­a, Filipe Martins, e o deputado Eduardo Bolsonaro

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