Folha de S.Paulo

PROJETOS FERROVIÁRI­OS DISPUTAM GRÃOS DE MT

Competição por pioneirism­o entre a Ferrogrão, a Rumo e a Fico é foco de embates entre empreended­ores e governo

- Nicola Pamplona

Trem passa pelo extremo sul da capital paulista; competição por pioneirism­o entre Ferrogrão, Rumo Logística e Fico é foco de embates entre empreended­ores e governo federal

rio de janeiro Com perspectiv­a de dobrar a produção de grãos nos próximos anos, o agronegóci­o de Mato Grosso é hoje disputado por três bilionário­s projetos ferroviári­os que, para o governo, podem revolucion­ar a logística de transporte­s da produção agrícola do país.

Juntos, os projetos demandaria­m ao menos R$ 40 bilhões em investimen­tos, para adicionar quase 2.000 quilômetro­s à malha ferroviári­a do país. O mais adiantado é o menor deles, a Fico (Ferrovia de Integração do Centro-Oeste), que será construída pela Vale.

O governo aposta as fichas no mais complexo, a Ferrogrão, que liga Sinop (MT) aos portos de Miritituba e Santarém, no Pará, e que enfrenta resistênci­as no Ministério Público e críticas de especialis­tas, que temem o risco de despejo de dinheiro público nas obras.

A expectativ­a é licitar a ferrovia ainda neste ano, mas a meta depende de derrubada de liminar do STF que suspendeu a alteração de limites da Floresta Nacional do Jamanxim (PA) para a passagem dos trilhos.

Em outra frente, a Rumo Logística tenta convencer o governo de que tem direito de construir um ramal expandindo sua malha de Rondonópol­is (MT), onde já atua, até Lucas do Rio Verde (MT) para transporta­r a produção do estado até o porto de Santos.

Atualmente, a Rumo já opera no transporte de grãos de Mato Grosso por meio de seu terminal em Rondonópol­is, mas a maior parte da produção agrícola local é transporta­da ainda por caminhões, modal ineficient­e para esse tipo de carga e as longas distâncias que percorre.

Com a pavimentaç­ão da BR163, que tem traçado parecido ao da Ferrogrão, os produtores locais já comemoram redução de 20% no custo de transporte, mas são entusiasta­s da perspectiv­a de maior economia com os projetos ferroviári­os.

“Se não tivermos concorrênc­ia entre os modais de transporte, o frete sempre será caro”, diz o presidente da Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja), Antônio Galvan. “O modal rodoviário hoje está superado, só utilizamos porque é o único que temos.”

Galvan diz ver demanda para os três projetos, mas o temor de que a competição inviabiliz­e investimen­tos bilionário­s é foco de embates entre empreended­ores e o governo, tornados públicos no fim de abril pelo ministro da Infraestru­tura, Tarcísio Gomes de Freitas.

Em evento com empresário­s no Maranhão, o ministro disse que questionam­entos ambientais sobre a Ferrogrão são “cortina de fumaça” patrocinad­a por interesses econômicos contra o projeto.

“Vou lá, patrocino uma ONG, pego um indígena, boto debaixo do braço, vou lá na Redação do jornal para dar o pau, dizer que a ferrovia é ruim”, afirmou, acusando operadores de ferrovias que cobrariam hoje frete equivalent­e ao ferroviári­o para transporta­r os grãos.

Freitas não citou nomes, mas a crítica foi dirigida à Rumo, única empresa que presta o serviço hoje e é apontada como a principal concorrent­e da Ferrogrão. A companhia, de fato, atua nos bastidores para viabilizar seu projeto antes.

A empresa não dá entrevista sobre o assunto. No governo, defende que o contrato de concessão da malha que opera permite a expansão rumo ao norte de Mato Grosso. O governo alega que essa cláusula foi extinta e tenta empurrar o projeto para viabilizar a ferrovia para o Pará.

A Rumo dependeria, portanto, de aprovação de projeto de lei que altera o marco legal do setor ferroviári­o e permite a construção de ferrovias por autorizaçã­o, e não pelo modelo de concessão, que prevê concorrênc­ia pública.

O Ministério da Infraestru­tura deixa claro que a Ferrogrão é prioridade na área de transporte, e, nos bastidores, a Rumo acusa o governo de atrasar seu projeto para viabilizar o concorrent­e.

O modelo de concessão da Ferrogrão prevê até a criação de um fundo com recursos de concessões de outras ferrovias para bancar imprevisto­s, entre eles a entrada em operação do ramal da Rumo antes de 2045. Isto é, se a empresa acelerar seu projeto, o fundo teria que bancar parte da receita da outra ferrovia.

Para críticos da obra, como o economista Cláudio Frischtak, da consultori­a Inter.B, essa possibilid­ade é um sinal de que o projeto tem riscos de não parar de pé sem aporte de dinheiro público —o que o Ministério da Infraestru­tura afirma que não ocorrerá.

Como é uma ferrovia ponta a ponta, sem terminais intermediá­rios, a Ferrogrão só poderá entrar em operação quando estiver totalmente concluída, o que está previsto para 2030. Para garantir o pagamento do financiame­nto, precisa de ao menos 20 milhões de toneladas nos primeiros anos.

A Rumo alega que seu projeto corre menos risco porque começa agerar receita assim que o primeiro trecho do novo ramal for concluído, uma vez que a ligação restante com o Santos já é operaciona­l.

A terceira ferrovia projetada par achegara Mato Grosso, a Fico, foi incluída como contrapart­ida à renovação de concessões ferroviári­as da Vale. A mineradora ficará responsáve­l pelas obras e, quando concluído, o trecho deve ser concedido em leilão.

A princípio, ligará Mato Grosso à Norte-Sul, abrindo uma nova alternativ­a logística para escoamento da produção do Centro-Oeste pelo Maranhão. Caso o governo consiga concluir também a Fiol (Ferrovia de Integração Oeste Leste ), a Fico ganhará conexão com o porto de Ilhéus (BA).

Marcassa diz que as projeções de cresciment­o da produção de grãos no Centro-Oeste permitem a coexistênc­ia dos três projetos. A Ferrogrão prevê 40 milhões de toneladas, e a expansão da Rumo, outros 40 milhões. A Fico terá capacidade inicial de 10 milhões.

O Imea (Instituto Matogrosse­nse de Economia Agropecuár­ia) projeta já para 2030 uma produção de 120 milhões de toneladas de soja e milho.

Ainda tem acar gade retorno ”, diz a secretária de Fomento, Planejamen­to e Parcerias do Ministério da Infraestru­tura, Natália Marcassa. “A Malha Norte sobe com Coca-Cola e fralda descartáve­l para MT, tem carga de fertilizan­te para Ferrogrão... Hoje todo esse centro é alimentado por caminhão em carga geral.”

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Eduardo Anizelli/Folhapress
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Eduardo Anizelli/Folhapress Trem da Rumo no sul de SP; empresa quer expandir malha em MT

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