Folha de S.Paulo

Presidente citou Ricardo Barros, diz deputado à CPI

Servidor reafirma alerta ao presidente sobre pressão por vacina Covaxin

- Julia Chaib, Raquel Lopes e Mateus Vargas

O deputado Luis Miranda (DEM-DF) declarou ontem à CPI da Covid que o presidente Jair Bolsonaro afirmou que as suspeitas sobre a compra da vacina indiana Covaxin eram coisa do “Ricardo Barros (PP-PR)” —líder do governo na Câmara.

brasília O deputado Luis Miranda (DEM-DF) disse à CPI da Covid nesta sexta (25) que o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), foi o nome atribuído pelo presidente Jair Bolsonaro às supostas irregulari­dades na compra da vacina indiana Covaxin.

“A senhora também sabe que foi o Ricardo Barros que o presidente falou. Eu não me sinto pressionad­o para falar, eu queria falar desde o primeiro momento, mas é porque vocês não sabem o que vou passar”, disse Miranda, após ser questionad­o diversas vezes sobre qual parlamenta­r teria sido citado pelo mandatário.

O deputado e o irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo, prestaram depoimento durante quase oito horas à comissão. Eles reafirmara­m que Bolsonaro foi alertado sobre as supeitas que cercam a negociação da Covaxin.

As denúncias de irregulari­dades foram reveladas pela Folha no dia 18, com a divulgação do depoimento sigiloso do servidor, chefe da divisão de importação da Saúde, ao Ministério Público Federal.

Após revelar o nome de Barros, Miranda sugeriu inércia de Bolsonaro para impedir as supostas irregulari­dades. “Que presidente é esse que tem medo de pressão de quem está fazendo algo errado, desvia dinheiro público das pessoas morrendo da porra dessa Covid?”, afirmou.

Em nota nas redes sociais, Barros afirmou que não participou de nenhuma negociação para a compra da Covaxin. “Não sou esse parlamenta­r citado. A investigaç­ão provará.”

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (RedeAP), afirmou na noite desta sexta que há fortes indícios de que Bolsonaro cometeu crime de prevaricaç­ão e que a comissão avalia enviar notícia-crime ao STF (Supremo Tribunal Federal).

“Estão dados todos os elementos do crime”, disse.

As declaraçõe­s sobre a Covaxin arrastaram Bolsonaro ao centro das investigaç­ões da CPI. O presidente pediu para a Polícia Federal investigar o deputado e o servidor, mas não explicou se encaminhou os alertas de irregulari­dades.

O governo fechou a compra de 20 milhões de doses da Covaxin em 25 de fevereiro, por R$ 1,6 bilhão, no momento em que tentava aumentar o portfólio de imunizante­s e reduzir a dependênci­a da Coronavac, que chegou a ser chamada por Bolsonaro de “vacina chinesa do João Doria”.

Fabricada pela Bharat Biotech, a vacina é negociada no Brasil pela Precisa Medicament­os, empresa que tem no quadro societário a Global Gestão em Saúde S. A.

Ricardo Barros e a Global respondem a ação de improbidad­e por contrato de R$ 20 milhões assinado em 2017 pela empresa com o Ministério da Saúde, para importar medicament­os para doenças raras. À época, o deputado era o chefe da pasta, e os produtos não foram entregues.

Barros afirmava que a Anvisa e o suposto lobby da indústria travaram as importaçõe­s. Os senadores da CPI, agora, querem saber há ligação de Barros, a Global e a Precisa.

Após o depoimento do deputado Miranda, membros da CPI pediram a convocação do líder do governo na Câmara.

Em 2021, Barros apresentou emenda a uma medida provisória para flexibiliz­ar a análise da agência de vacinas registrada­s na Índia, o que beneficiou diretament­e a Covaxin. O deputado nega atuar pela vacina, e afirma que parlamenta­res da oposição apresentar­am proposta de mesmo teor.

Miranda disse inicialmen­te à CPI que não lembrava o nome do parlamenta­r citado por Bolsonaro e que o presidente parecia não ter forças para “combater” as supostas irregulari­dades.

“Vocês sabem quem é, né? Sabem que ali é foda. Se eu mexo nisso aí, você já viu a merda que vai dar, né. Isso é fulano. Vocês sabem que é fulano”, disse Bolsonaro, segun

“Que presidente é esse que tem medo de pressão de quem está fazendo algo errado, desvia dinheiro público das pessoas morrendo da porra dessa Covid?

A senhora também sabe que foi o Ricardo Barros que o presidente falou. Eu não me sinto pressionad­o para falar, eu queria falar desde o primeiro momento, mas é porque vocês não sabem o que vou passar Luis Miranda deputado federal (DEM-DF), àCPIdaCovi­d

do o deputado do DF.

A revelação do nome de Barros ocorreu após questionam­entos da senadora Simone Tebet (MDB-MS), e foi comemorada pelos senadores críticos ao governo.

O deputado e o servidor ainda reafirmara­m à CPI que havia erros na documentaç­ão usada para pedir a importação da Covaxin e, sem dar detalhes, mencionara­m cobrança de propina durante a negociação por um imunizante.

Segundo Luis Ricardo, a ofensiva de chefes da pasta pela importação das doses ocorreu mesmo após técnicos perceberem, na documentaç­ão, dados diferentes daqueles registrado­s no contrato.

“Toda a equipe do setor não se sentiu confortáve­l com essa pressão e a falta de documentos. Como meus dois superiores estavam pressionan­do, eu acionei e conversei com o meu irmão. Que passou [o caso] ao presidente”, disse.

Luis Ricardo citou à CPI relato de que a negociação por uma vacina havia travado por cobrança de propina de gestores da pasta.

“O ministério estava sem vacina e um colega de trabalho, Rodrigo, servidor, me disse que tinha um rapaz que vendia vacina e que esse rapaz disse que os seus, alguns gestores, estavam pedindo propina”, afirmou o servidor. O diálogo teria ocorrido com um servidor terceiriza­do da Saúde chamado Rodrigo de Lima.

A Folha revelou que o servidor já havia dito ao MPF, em 31 de março, que recebeu uma “pressão atípica” para agilizar a importação da vacina.

Dias antes, em 20 de março, o servidor e o deputado foram até o presidente Bolsonaro para alertar sobre as supostas irregulari­dades. Miranda disse que avisou o ex-ministro Eduardo Pazuello sobre a denúncia levada a Bolsonaro.

“Expliquei para Pazuello de forma resumida... Aí ele olhou pra minha cara com uma cara de descontent­amento e falou assim: ‘Luis, no duro, mas nessa semana, é certeza, eu vou ser exonerado. Eu tenho conhecimen­to de algumas coisas, tento coibir, mas, exatamente por eu não compactuar com determinad­as situações, é que eu vou ser exonerado’.”

O parlamenta­r também mostrou à CPI uma imagem de conversa com o irmão pelo celular, que menciona o suposto pedido de propina na Saúde. O diálogo ocorreu em 20 de março deste ano.

O deputado e o servidor disseram à CPI que Bolsonaro prometeu encaminhar os indícios de irregulari­dades à direção da PF. Miranda ainda afirmou que o presidente especulou ligação de um parlamenta­r com o caso —nominado apenas horas mais tarde.

Luis Ricardo disse aos senadores que havia erros na documentaç­ão apresentad­a pela Precisa Medicament­os.

Segundo o servidor, a invoice (fatura) exigida pela Anvisa para liberar a importação estava no nome da Madison, empresa de Singapura ligada à Bharat. O documento ainda citava pagamento antecipado de US$ 45 milhões pelas doses, que estariam próximas do fim da validade.

Esses dados eram diferentes do que havia sido registrado no contrato do governo com a Precisa, disse o servidor.

O documento com supostas falhas foi levado a Bolsonaro no dia 20, segundo os depoentes. Entre 23 e 24 de março, o papel foi retificado duas vezes pela Precisa, a pedido dos técnicos do ministério, e passou a registrar que o desembolso só ocorreria após a chegada das doses.

Luis Miranda disse que não quis assinar os papéis exigidos para a importação por causa das falhas. Segundo o servidor, a fiscal do contrato Regina Célia Silva Oliveira, servidora da Saúde, deu aval para o processo seguir —o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), disse que a fiscal será convocada para depor.

A Anvisa negou esse pedido de importação. O embarque das doses só foi liberado no último dia 4, sob restrições. As doses, porém, ainda não chegaram, e o governo avalia anular o contrato da Covaxin.

O servidor explicou que não recebeu pedidos para antecipar o pagamento pelas doses, pois não trata da área que faz os desembolso­s. A pressão era para encaminhar os documentos exigidos na importação. Luis Ricardo também não relatou à CPI ter recebido propostas de propina.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDBPE), afirmou na reunião da CPI que não há sobrepreço nas doses ou falhas no processo de compra. “Os preços promovidos pela Bharat Biotech são uniformes”, disse.

Miranda disse que já havia alertado o governo, em outras ocasiões, sobre possíveis irregulari­dades em contratos da Saúde e afirmou que até encaminhou o telefone do irmão ao deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), quando relatou “outros problemas” em 2020.

O deputado chegou à CPI usando colete à prova de balas e segurando uma Bíblia. Ele retirou a proteção na sala da CPI. Durante um intervalo da comissão, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) chegou a empurrar Miranda. Os dois foram separados por Humberto Costa (PT-PE). A cena foi gravada pela câmera de segurança do Senado.

Quando a sessão voltou, o governista Do Val acusou Miranda de ameaça. Miranda rebateu: “Ah, prova...”

Flávio Bolsonaro (PatriotaRJ) disse na audiência que não é próximo de Francisco Maximiano, sócio da Precisa. Ele reconheceu que participou de uma videoconfe­rência com o empresário e representa­ntes do BNDES, mas disse que a reunião não tratou de vacinas.

Maximiano deve prestar depoimento na próxima semana. A CPI também pediu a quebra dos sigilos do empresário.

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Adriano Machado/Reuters Luis Ricardo Miranda, Luis Miranda e Omar Aziz durante o depoimento dos irmãos à CPI nesta sexta

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