Folha de S.Paulo

Citação a líder complica situação de Bolsonaro

Histeria dos governista­s já mostrava o peso do depoimento confuso dos irmãos Miranda à CPI

- Igor Gielow

são paulo O tão antecipado depoimento dos irmãos Miranda à CPI da Covid descambou para uma batalha campal na qual a histeria dos parlamenta­res bolsonaris­tas mostrou o quanto o caso Covaxin entrou para ficar no gabinete de Jair Bolsonaro.

Sem implodir o governo, como prometia, a sessão deixou uma bomba enorme a ser desarmada pelo Planalto: trouxe o influente líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), para o palco.

Ele seria o deputado corrupto citado por Bolsonaro como intocável, no relato do teatral

Luis Miranda (DEM-DF). O depoente demorou horas para confirmar o nome, alegando não se lembrar e, depois, que temia sofrer represália­s.

Se for fisgado pela CPI, Barros, ex-ministro da Saúde de Michel Temer (MDB), será um peixe graúdo e intimament­e ligado ao presidente. É um dos símbolos do casamento de Bolsonaro com o centrão.

Bolsonaro terá mais uma pergunta incômoda para xingar: sabia de suspeitas sobre o aliado, fez algo?

O dia entregou fogo contra fogo, como a chegada de Luis provou: um espetáculo bolsonaris­ta clássico, o sujeito com passado questionáv­el com um colete à prova de balas e uma Bíblia debaixo do braço.

Seu irmão, Luis Ricardo, encarnou o bom servidor quase à perfeição. Depôs trêmulo, inicialmen­te em mangas de camisa, fisicament­e moído após acompanhar um voo de vacinas vindo dos EUA.

“Meu partido é o SUS”, enunciou com brilho, emulando o “Meu partido é o Brasil” de Bolsonaro em 2018.

Estabelece­u empatia, mas foi engolido pela persona do irmão, que o complicou em diversos momentos.

A acusação envolvendo a vacina indiana Covaxin, em si, é grave e foi ratificada pelos dois irmãos. Mas, tirando Barros, não houve algo que sugerisse uma novidade fatal para o governo. Não houve um momento Duda Mendonça.

Se na CPI de 2005 o marqueteir­o de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) impression­ou ao confessar ter recebido milhões no exterior, o caso atual já tinha sido delineado.

Culpe-se a velocidade da comunicaçã­o ou tática falha, mas não houve cheiro de fim de mundo, apesar da torcida.

Parte disso pode ser debitado da conta da CPI da Covid, que criou uma jabuticaba parlamenta­r ao colocar os irmãos falando lado a lado.

Por óbvio, depoentes precisam ser expostos a contradiçõ­es eventuais, e não receber o palco para um jogral.

Os perdigotos e os berros dispensado­s mais cedo por Bolsonaro encontrara­m eco revelador em seus prepostos,

Marcos Rogério (DEM-MG) e Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) à frente.

A dupla beirou a apoplexia no seus embates, denunciand­o o estrago. Rogério foi humilhado ao ser questionad­o pelo presidente Omar Aziz (PSD-AM) qual seria a “motivação conhecida” do deputado Luis para fazer sua denúncia envolvendo Bolsonaro. Calou-se, encolhido sob o manto da imunidade parlamenta­r.

Os pontos centrais, que emergiram de um depoimento ao Ministério Público de Luis Ricardo, se mantiveram como suspeitas no ar.

Mais importante, a entrada de Bolsonaro e seus filhos como personagen­s ativos da trama não foi desmontada pela tática governista de jogar na confusão durante a sessão.

E que confusão. A gritaria serviu aos governista­s, já que tornou uma história intrincada de compreensã­o impossível para quem não conhecia os detalhes dela previament­e.

Outros ficaram mal na foto. O secundário ministro Onyx Lorenzoni e o ex-número 2 da Saúde, Elcio Franco, acusaram fraude em um documento na entrevista em que ameaçaram a dupla Luis e Luis. Se não bastassem os fatos, coube ao próprio Rogério dizer que o papel era legítimo.

Falta muito a apurar no caso. Como apontou o senador Humberto Costa (PT-PE), o centro parece estar na empresa intermediá­ria, a Precisa.

Acuado no caso Covaxin, o presidente tentou mudar o foco demitindo “a pedido” o polêmicoRi­cardoSalle­s(MeioAmbien­te), viu sua popularida­de derreter ainda mais em nova pesquisa de opinião e uma nova rodada de protestos contra si marcada para julho.

Sem implodir a República, como se antevia, o depoimento coroa uma semana horrenda para o Planalto.

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