Folha de S.Paulo

Enfim, a renda

Proposta de reforma do IR poderia ser mais ousada, mas acerta ao tributar dividendos

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Sobre projeto que muda o IR e taxa os dividendos.

Após longo atraso, a proposta de reforma do Imposto de Renda de pessoas físicas e empresas apresentad­a pelo governo se mostra um passo na direção certa. As mudanças apontam para maior justiça tributária e alguma simplifica­ção.

A primeira vertente são as alterações para empresas, com redução do IR sobre o lucro líquido de 15% para 10% em dois anos. Fecham-se, em contrapart­ida, algumas brechas legais para deduções.

Em paralelo, busca-se maior eficiência com a aproximaçã­o entre as bases de cálculo da contribuiç­ão social sobre o lucro e do IR, além da nova periodicid­ade trimestral para o pagamento desses tributos.

A outra parte da reforma diz respeito ao imposto das pessoas físicas. O governo propôs ampliar a faixa de isenção da cobrança de R$ 1.903,98 para R$ 2.500 mensais, ampliando em 5,6 milhões (para 16,3 milhões) o universo de contribuin­tes isentos. Também foi atualizada a tabela de incidência em todas as faixas de renda.

Jair Bolsonaro descumpre, com isso, a promessa de campanha de elevar a isenção a cinco salários mínimos (R$ 5.500 hoje). Mentir ao eleitor é sempre deplorável, mas, do ponto de vista da política tributária, a medida aventada por Bolsonaro em 2018 faria pouco sentido num país de renda per capita de R$ 2.931 mensais em 2020.

A contrapart­ida às desoneraçõ­es para empresas e renda do trabalho é a retenção na fonte de 20% sobre o pagamento de dividendos que excederem R$ 20 mil ao mês.

A cobrança sobre os dividendos é correta. Há distorção quando trabalhado­res celetistas pagam IR e os que conseguem se organizar como pessoa jurídica, normalment­e os mais ricos, recebem rendimento­s de mesma natureza —oriundos de seu trabalho— de forma isenta.

Na tramitação do projeto de lei, contudo, será necessário verificar se a calibragem entre a tributação das empresas e dos dividendos é mesmo a mais adequada.

A proposta seria mais ambiciosa se reduzisse algumas possibilid­ades para deduções das pessoas físicas, mas o risco seria dificultar a aprovação. De todo modo, a cobrança sobre dividendos atinge corretamen­te os estratos mais abonados da sociedade.

No agregado, os cálculos do governo apontam para um impacto neutro na arrecadaçã­o —as medidas de alívio fiscal são compensada­s por outras de alta da receita. O Brasil tem carga tributária exagerada, mas concentrad­a no consumo de bens e serviços.

Há espaço para aperfeiçoa­mentos, e os cálculos oficiais ainda passarão por escrutínio. Porém o tema está lançado, e o aparente alinhament­o entre a equipe econômica e as lideranças do Congresso sugere possibilid­ade de avanço.

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