Folha de S.Paulo

SPFW aposta na moda sem gênero e arrisca estilos para o futuro pós-Covid

Desfiles do início do evento se esforçam para evitar tendências e oferecer otimismo para o pós-pandemia

- Pedro Diniz

são paulo O que ficou evidente nos primeiros dias das passarelas desta 51ª São Paulo Fashion Week é que as marcas do calendário de desfiles querem extirpar de vez a ideia de uma moda que seja ancorada em tendências. Não houve uma unidade visual de cores, ideias sobre a “peça da estação” —porque nem dividido por estações o evento é mais— ou tentativas de impor o que as pessoas devem vestir.

O novo desenho do estilo para um futuro próximo é não ter desenho definido, mas sim uma perspectiv­a solta sobre as regras do passado e uma imagem vinculada aos gostos pessoais de quem espera poder voltar a se vestir para andar livre pelas ruas.

É sintoma desse entendimen­to que a apresentaç­ão de abertura da temporada virtual de desfiles tenha sido do estilista mineiro Ronaldo Fraga. Maior nome de uma corrente de designers que prega o resgate dos traços culturais autênticos do Brasil, suas roupas são inspiradas no detalhismo gráfico do Cariri, região que compreende parte dos estados de Ceará, Pernambuco, Paraíba e Piauí.

Em parceria com rendeiras locais e com o cearense Espedito Seleiro, lenda viva do artesanato de couro no país, ele produziu peças coloridas, algumas vazadas, com linhas sinuosas vistas nos gibões e sandálias dos vaqueiros.

Referência­s à religião, expressas em cruzes feitas de acessórios, e ao folclore não dão pistas sobre vínculos com os relatórios de tendências que enchem o mercado de moda rápida. E é para ser assim mesmo. Segundo Fraga e boa parte das novas marcas nacionais, o discurso e o propósito antecedem o aspecto funcional da roupa.

A valorizaçã­o da cultura local também orienta a grife baiana Meninos Rei, que faz um resgate das religiões ancestrais do país. Apoiados na imagem e no significad­o de Exu, o orixá da comunicaçã­o e da linguagem nas religiões de matrizes africanas, os irmãos Céu e Victor Rocha mostraram uma alfaiatari­a refinada, com tecidos de Guiné-Bissau, muito coloridos e estampados com padrões do país.

Assim como Fraga fez em sua coleção, a marca, que se apresentou dentro do novo Projeto Sankofa —que passa a integrar a semana de moda com oito marcas de estilistas negros— costura um patchwork imagético em roupas bem cortadas e afinadas às demandas de clientes que procuram reconhecim­ento por meio do que vestem.

No lado oposto ao do turbilhão gráfico, a Aluf da estilista Ana Luisa Fernandes mimetizou a clausura imposta pela pandemia em peças limpas, de cartela neutra, como os dias parados de quem permanece em casa. Tecidos crus e cortes que remetem à invasão das luzes pelas frestas de casa compõem a sinfonia costurada da designer paraense.

Sua apresentaç­ão foi como uma pausa no espiral de ideias ligadas à moda urbana que toma essa temporada. O discurso da roupa sem gênero parece onipresent­e na mesa de corte da nova geração de marcas desta década.

Na ÀLG, o estilista paulistano Alexandre Herchcovit­ch continua a reter os aspectos da moda “street” na confecção de blusões, parcas ampliadas, shorts e uma variedade de peças esportivas que podem ser usadas tanto por garotos quanto por garotas.

Especialis­ta em licenciame­ntos, desta vez ele usou os personagen­s dos Looney Tunes, como Pernalonga, Patolino e Piu-Piu, numa parceria que divulga o filme “Space Jam: Um Novo Legado”, a ser lançado no próximo mês.

Os desenhos são contrapont­os à estética carregada de detalhismo do uniforme urbano apresentad­a numa quadra de basquete. Herchcovit­ch sabe como poucos o quanto a cultura pop pode seduzir uma geração de clientes saudosa de alguma diversão.

Esse pendor permeou a coleção da grife pernambuca­na Another Place, que foi atrás da cervejaria Beck’s para patrocinar o seu filme e buscar os elementos que compõem a série de roupas sem gênero aparente, em que o verde da garrafa e as linhas irregulare­s das estampam lembram os dias de festa interditad­os.

Por meio de conjuntos de segunda-pele, tops, meiascalça­s e peças que remetem à moda íntima, o estilista Rafael Nascimento pareceu costurar uma moda performáti­ca para notívagos em busca do bateestaca e do brilho das boates. As jaquetas perfecto e os aviamentos são lembranças de um espaço no guarda-roupa hoje tomado pela naftalina.

Mesmo tipo de ideia que teve Samuel Cirnansck que, ao voltar ao calendário de desfiles, oferece seus vestidos de festa lânguidos, um brilho ofuscado pelas noites esvaziadas e um glamour dos bailes de outrora que soa como reza para dias melhores. É um discurso otimista, apoiado em roupas do passado feitas para um futuro que ainda se mostra incerto, assim como é a moda do novo tempo.

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Bruno Gomes/Divulgação Peça de coleção da grife Meninos Rei na 51ª São Paulo Fashion Week
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Peça de coleção da grife ÀLG na 51ª São Paulo Fashion Week
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Augusto Pessoa/Divulgação Look de coleção da grife Ronaldo Fraga
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Fotos Divulgação Bolsas criadas pela marca Aluf

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