Folha de S.Paulo

Com vergonha e medo, crianças fecham câmeras durante aulas online

Alunos falam das suas motivações e professore­s explicam que aparecer na tela do computador é importante

- Marcella Franco estudante TODO MUNDO LÊ JUNTO Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáve­is e educadores com a criança

são paulo Além de aprender operações matemática­s e as capitais do Brasil, toda vez que Jullia entra na aula online ela tem mais algumas preocupaçõ­es em mente. Será que alguém vai aparecer atrás quando sua câmera estiver ligada? Será que ela está feia? Será que está todo mundo reparando no seu cabelo?

A Jullia tem 13 anos e, assim como grande parte das crianças e adolescent­es brasileiro­s, precisou transforma­r o quarto em sala de aula depois que sua escola fechou temporaria­mente, por causa do coronavíru­s. E essa adaptação não tem sido fácil para ela.

Jullia até tem a estrutura que precisa para estudar: computador, cadeira, mesa. O que falta, na verdade, é confiança. “Eu não deixo a câmera aberta porque tenho vergonha. Vergonha da minha cara e tudo mais”, conta, dizendo que às vezes até toma coragem de ligar o aparelho, mas deixa a lente virada para o teto.

“Tenho medo de travar e eu ficar com uma cara estranha”, diz Valentin, 12 anos. Assim como Jullia, ele também conta ter vergonha de ligar a câmera. As únicas vezes em que topou abrir a imagem foi porque os pais fizeram pressão.

“Tenho medo de alguma hora parar pra conversar com minha mãe, ou olhar pra algum lugar e acharem que não tô prestando atenção. E se eu fizer algum gesto, como bocejar?”, questiona Valentin.

Ele explica que a sensação é muito diferente daquela de

Valentin, sobre aula presencial estar presencial­mente na escola. “Lá não fica tudo fixado em mim. No online, quando eu falo, fica um amarelo em volta.”

“Todo ser humano sente vergonha, sejam as crianças, os pais, os avós”, afirma a psicóloga Camila Cury, especialis­ta em comportame­nto humano e fundadora do programa de inteligênc­ia socioemoci­onal Escola da Inteligênc­ia.

Camila explica que, quando seé pequeno, apre ocupaçãoém­en orco moque os outros vão pensar ou falar da gente. Mas, ao chegar mais perto da adolescênc­ia, essa sensação vai mudando.

“Geralmente, os jovens que se escondem por trás das câmeras desligadas são os mesmos que não gostam de comentar sobre seus sentimento­s e vivências pessoais. Nesses casos, família e escola precisam conversar sobre este comportame­nto com eles.”

No Oswald de Andrade, um colégio de São Paulo, esse tipo de conversa já aconteceu algumas vezes. Teve um dia, inclusive, que os professore­s entraram para dar aula com suas próprias câmeras fechadas. Por quê?

“Para os alunos sentirem a diferença”, responde o coordenado­r Fernando Pimentel. “São muitas as estratégia­s que usamos. Fizemos pesquisas e combinados com as turmas. Dia de seminário, por exemplo, é câmera aberta!”.

“Foram discussões muito interessan­tes, que nos permitiram perceber que, em momentos previament­e combinados, em que eles chegam preparados para abrira câmera, o número de câmeras abertas aumenta bastante”, garante Fernando.

João Guilherme, 12, e Maria Vitória, 11, estudam no mesmo colégio em Bragança Paulista, no interior de São Paulo. Os dois asseguram que deixam a câmera ligada. “Deixo ligada para o professor saber que eu estou ali”, fala João.

“Deixo porque acho que é uma questão de você estar vendo o professore ele poder te ver, como se você estivesse em u masal ade aula mesmo.Édifícil, principalm­ente no começo, mas, quando agentes e acostuma,acaba sendo divertido. Ajuda aficar mais concentrad­o, mais focado ”, completa a amiga.

Livia, 12, que estuda na capital, conta que, depois que acorda, arruma o cabelo, e entra na aula online quase do mesmo jeitinho que dormiu. “Não é necessaria­mente um pijama, porque às vezes eu durmo de roupa”, esclarece.

Ela liga a câmera quase sempre, exceto quando está “com preguiça”. No colégio dela, também houve conversas dos professore­s com as crianças sobre a importânci­a de aparecer virtualmen­te nas reuniões. E ela mesma ajudou a conscienti­zar os colegas.

“Disse pra eles que todo mundo tá cansado da quarentena e do EAD (ensino à distância), só que também é muita falta de respeito agente ficar de câmera fechada sendo que os professore­s também estão cansados e precisam da nossa colaboraçã­o pra continuar dando certo as aulas.”

Vivian Gusmão trabalha no Oswald junto com o coordenado­r Fernando —ela é professora de língua portuguesa. Vivian conta quais são as desculpas mais frequentes dos alunos para desligara câmera.

“Alguns mencionam que, ao abrira câmera, o desempenho do computador fica prejudicad­o, outros dizem que acordaram atrasado senão se arrumar ampara aparecer, há quem diga que sente vergonha e prefere interagir só por voz”, enumera.

Para a psicóloga Camila, há, ainda, mais alguns motivos possíveis para atela pretana aula .“Muitas vezes acriança ou adolescent­e não quer que os colegas vejam o seu quarto ou outro espaço de sua casa. Ou, ainda, não querem que descubram que pode estar fazendo outra tarefa não relacionad­a à escola”, diz.

É claro que nenhum professor tem poderes mágicos para descobrira razão verdadeira que leva um aluno anão deixar a câmera aberta, mas Camila diz que poder ter uma relação de confiança com os mestres é mais importante que qualquer investigaç­ão a esse respeito.

“A educação não acontece no campo minado, ou seja, com mentiras e distanciam­ento afetivo”, explica, mostrando que professora­s e professora­s não são inimigos dos alunos. Pelo contrário: eles estão ali para ajudar.

“As duas partes precisam agir com sinceridad­e. O professor se esforça muito. E o aluno, do ou trolado da tela e sem aparecer, desestimul­a a dedicação do professor. E agente só consegue avançar na aprendizag­em quando está numa relação de confiança, com interesse e respeito pelo outro.”

“Lá não fica tudo fixado em mim. No online, quando falo, fica amarelo em volta

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil