Folha de S.Paulo

Vacina nas Quebradas Já

- Tabata Amaral Cientista política e astrofísic­a formada em Harvard, é deputada federal e ativista pela educação. Escreve aos sábados

A ansiedade rapidament­e se transformo­u em alívio e gratidão ao ver a minha mãe ser vacinada contra a Covid-19. Porém, não demorou para que uma preocupaçã­o voltasse: Pedreira, onde moramos, está entre os cinco distritos de São Paulo com a menor taxa de imunização, segundo um estudo de maio do LabCidade, da USP.

Esse mesmo levantamen­to aponta que os grupos com maior risco de contágio e morte por Covid apresentam taxas menores de vacinação. Definitiva­mente, não estamos todos no mesmo barco. Essa desigualda­de se repete em outras capitais, como Rio e Goiânia, conforme informou reportagem da Piauí, e fica também explicitad­a na diferença da taxa de vacinação entre brancos e negros.

Os motivos para essas discrepânc­ias são múltiplos. Falta acesso à informação de qualidade e sobram notícias falsas sobre a vacina. A distância aos equipament­os de saúde e o menor acesso a carros e internet agravam a situação. Para piorar, a capilarida­de que conquistam­os com as equipes de Estratégia Saúde da Família não está sendo aproveitad­a como deveria. Segundo uma pesquisa da FGV, 3 em cada 4 agentes comunitári­os de saúde não se sentiam preparados para lidar com a pandemia.

Há outra razão central: a ordem de vacinação desconside­ra critérios básicos de vulnerabil­idade. Faz sentido psicólogos e nutricioni­stas protegidos pelo home office terem ficado na frente de trabalhado­res informais e caixas de supermerca­do que se expõem diariament­e ao vírus? Ou pessoas mais pobres com comorbidad­es graves não diagnostic­adas terem ficado atrás de pessoas mais ricas que furaram a fila com um atestado conseguido de última hora?

Diante desse cenário, precisamos de medidas urgentes que ampliem a vacinação da população mais vulnerável. Lancei em abril a campanha Vacina Quebrada Já, em que divulgo em canais comunitári­os e nas minhas redes informaçõe­s sobre a vacina. Mas é preciso ação dos chefes de Executivo. Flávio Dino, governador do Maranhão, vem dando exemplo, com o sorteio de prêmios para incentivar o retorno para a segunda dose —outro problema que afeta especialme­nte os mais pobres— e a realização de “Arraiais da Vacinação”, muitos deles em shoppings populares.

É revoltante saber que, não fossem os erros e omissões do governo federal, 305 mil vidas poderiam ter sido salvas, de acordo com um estudo do grupo Alerta. Precisamos impedir que esse número aumente, priorizand­o efetivamen­te os mais vulnerávei­s na vacinação. Assim, sugiro que governador­es e prefeitos mudem o foco de sua competição: que a disputa seja sobre quem tem a maior porcentage­m de negros, pobres e periférico­s imunizados. Vidas dependem disso.

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