Folha de S.Paulo

Tirania chinesa

Cerco do regime ditatorial à autonomia de Hong Kong vitima a liberdade de imprensa

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Quando o controle de Hong Kong foi transferid­o do Reino Unido para a China, em 1997, Pequim compromete­u-se, dentro da fórmula “um país, dois sistemas”, a manter por 50 anos uma série de direitos de que os cidadãos do território gozavam, como a liberdade de expressão e a de imprensa.

Esta não vem sendo devidament­e respeitada. Assim o demonstra a evolução da ex-colônia no ranking de liberdade de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras: a ilha passou do 18º lugar em 2002, quando a classifica­ção foi criada, para o longínquo 80º em 2021.

Nesta semana, o torniquete na mídia atingiu níveis inéditos com o fechamento do jornal Apple Daily. Criado em 1995, o periódico notabilizo­u-se por sua defesa da democracia, bem como por denunciar a repressão e a perseguiçã­o da ditadura chinesa contra manifestan­tes e dissidente­s.

Agora, o próprio diário tornouse uma vítima da política de cerceament­o. Valendo-se da draconiana nova lei de segurança nacional, promulgada no ano passado, cerca de 500 policiais varejaram a sede do jornal em 17 de junho.

Na ação, os agentes apreendera­m dezenas de computador­es e detiveram membros da direção do jornal, denunciado­s por conluio com agentes estrangeir­os. Dias depois, um editoriali­sta do periódico foi preso sob a mesma acusação.

Além da intimidaçã­o direta, as autoridade­s miraram o estrangula­mento financeiro da publicação, congelando 18 milhões de dólares honcongues­es (R$ 11,7 milhões) em ativos pertencent­es a três empresas ligadas ao Apple Daily.

Premido por todos os lados, o veículo foi obrigado a encerrar as atividades. Seu último número teve um milhão de cópias, cerca de dez vezes a circulação normal, para atender à demanda.

Teme-se agora que a repressão avance sobre outros meios que praticam alguma forma de jornalismo crítico, como o South China Morning Post, do bilionário Jack Ma, e a emissora pública RTHK, que vem sofrendo intervençõ­es.

A tentativa de criminaliz­ação do jornalismo compõe um quadro mais amplo de violações de liberdades individuai­s e coletivas que o regime chinês vem impondo ao território, em especial desde os colossais protestos pró-democracia ocorridos lá em 2019.

As ações aproximam Hong Kong do cotidiano tirânico do restante da China e tornam ficção qualquer ideia de autonomia da ilha.

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