Folha de S.Paulo

Na internet e em vídeos, Ciro e Lula disputam corrida por voto religioso

Presidenci­áveis de partidos de esquerda tentam cativar eleitores que apoiaram Bolsonaro

- Fábio Zanini

são paulo De olho no eleitorado religioso no ano que vem, os presidenci­áveis Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PDT) passaram a semana disputando quem se mostra mais temente a Deus.

Um dos objetivos da oposição em 2022 é recuperar terreno nessa parcela da população, que teve grande migração para políticos conservado­res nos últimos anos, especialme­nte o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Ciro fez o movimento inicial, na segunda-feira (21), com mais um vídeo da safra do publicitár­io João Santana, desta vez abordando a relação entre política e religião.

Num cenário à meia-luz, que lembra uma igreja ou templo, o político aparece em frente a uma mesa, como se fosse um padre ou pastor, segurando a Bíblia e a Constituiç­ão.

Os dois livros, diz Ciro, não são conflitant­es, e o Estado brasileiro é laico. Feita a ressalva, ele diz que “o Brasil se formou no berço do cristianis­mo”. “Cada um de nós, criado à imagem e semelhança de Deus, carrega dentro de si a centelha de uma vida maior”, recita ele, com uma trilha instrument­al de fundo que não estaria fora de lugar numa missa ou culto.

Na quinta-feira (24), foi a vez de Lula fazer seu aceno aos religiosos, numa longa sequências de mensagens no Twitter. “Tem muita coisa na minha vida que só pode ter o dedo de Deus. Acredito muito nisso”, começa o ex-presidente, que em seguida menciona a religiosid­ade da mãe.

“Sou filho de uma família religiosa. Minha mãe não teria tido força de criar oito filhos sozinha se não fosse a fé dela”, afirma.

O petista diz ainda que apenas a fé o ajudou a superar momentos difíceis na prisão, como a morte do irmão Vavá e do neto Arthur. Ele também critica diretament­e Bolsonaro, dizendo que o presidente não é um cristão de verdade.

“Se Deus simboliza o amor, a fraternida­de e a bondade, Bolsonaro não pode ser enviado de Deus. Se foi é castigo. Precisamos lutar porque Deus ajuda, mas a gente tem que fazer nossa parte também.”

Nesta sexta-feira (25), Ciro desempatou o jogo, lançando um novo vídeo religioso, mais claramente direcionad­o à maioria católica.

Desta vez, o cenário é o santuário de Monte Santo, no sertão da Bahia. “Ciro esteve lá para renovar sua fé e compromiss­o com o Brasil”, diz uma legenda do vídeo, enquanto o presidenci­ável se ajoelha na entrada da igreja e faz o sinal da cruz.

“Daqui desse monte, que conversa com o sagrado, a gente pode ver também como nosso país é tão injusto e desigual”, afirma. “Não é isso que Deus quer e Jesus defendeu”.

Na eleição de 2018, cerca de 70% dos eleitores evangélico­s preferiram Bolsonaro. A última pesquisa Datafolha, no entanto, mostrou uma redução neste apoio ao presidente, o que abre uma avenida a ser explorada pelos candidatos de oposição.

De acordo com o instituto, o levantamen­to realizado em maio apontou empate técnico entre o petista e o presidente entre evangélico­s: 35% para Lula e 34% para Bolsonaro, com 4% para Ciro. Entre os católicos, Lula tem 46%, contra 19% de Bolsonaro e 6% de Ciro.

O perfil dos entrevista­dos pelo Datafolha na pesquisa no país, que retrata a proporção do eleitorado nacional, registra 50% de católicos e 26% de evangélico­s.

Durante seus dois mandatos (2003-10), Lula teve uma boa relação com evangélico­s, recebendo o apoio de alguns dos principais pastores do país, como Silas Malafaia e Edir Macedo.

Ele agora tenta reconstrui­r pontes com esse segmento. Na semana passada, divulgou uma imagem ao lado de Manoel Ferreira, bispo primaz de uma das mais poderosas ramificaçõ­es da Assembleia de Deus, o Ministério Madureira.

Uma das principais lideranças evangélica­s do PT, a deputada federal Benedita da Silva (RJ), afirma que o apoio recebido por Bolsonaro neste segmento na eleição passada se deveu principalm­ente à atuação de pastores.

“Muitos evangélico­s têm uma concepção de acompanhar o conselho dos pastores e pastoras, e tivemos muitos que orientaram o seu rebanho para que votassem no Bolsonaro”, afirma ela.

Agora, diz Benedita, é preciso conversar diretament­e com fiéis, e lembrá-los de como eram bem tratados durante o governo Lula.

“Os evangélico­s nunca tiveram problema com o PT, tanto assim que o [Fernando] Haddad recebeu muitos votos evangélico­s na eleição passada a pedido do Lula. Tem evangélico em tudo quanto é lugar, em fábricas, escolas, hospitais, e todos receberão atenção do Lula, que é uma pessoa muito transparen­te e acessível”, afirma.

Já Ciro busca construir um perfil de centro-direita para sua candidatur­a, e estabelece­r relações com o segmento mais religioso é estratégic­o para suas pretensões.

“A postura do Ciro é fazer um resgate histórico da ideia trabalhist­a de respeitar a religião e extrair dela os melhores princípios para melhorar as condições de vida do povo”, diz o pastor Alexandre Gonçalves, presidente do movimento Cristãos Trabalhist­as, do PDT, que reúne evangélico­s e católicos.

Segundo ele, candidatur­as de centro como a de Ciro têm condições de receber apoio de grande parcela dos que em 2018 foram de Bolsonaro.

“Os cristãos historicam­ente preferem a moderação, não o extremismo representa­do pelo atual presidente. Nesse sentido, a eleição passada foi atípica, e agora deve haver uma volta da normalidad­e”.

Outros líderes de esquerda, como Guilherme Boulos (PSOL), também têm cortejado esses setores. Boulos, que pretende disputar o governo de São Paulo em 2022, reuniuse recentemen­te com lideranças evangélica­s e católicas durante as viagens que tem feito pelo estado.

“Cada um de nós, criado à imagem e semelhança de Deus, carrega dentro de si a centelha de uma vida maior Ciro Gomes presidenci­ável do PDT

“Tem muita coisa na minha vida que só pode ter o dedo de Deus. Acredito muito nisso. Minha mãe não teria tido força de criar oito filhos sozinha se não fosse a fé dela Lulz Inácio Lula da Silva presidenci­ável do PT

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Reprodução e Arquivo pessoal Ciro Gomes se ajoelha ao entrar em igreja na Bahia em vídeo direcionad­o a religiosos e, à dir., Lula e petistas em encontro com bispo da Assembleia de Deus de Madureira
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