Folha de S.Paulo

Proposta esvazia fiscalizaç­ão sobre contas de partidos

Minuta do novo Código Eleitoral na Câmara transforma análise do uso de recursos em ato meramente formal

- Danielle Brant e Ranier Bragon

brasília A minuta do Código Eleitoral que deve ser votada por um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados esvazia significat­ivamente o poder de análise da Justiça Eleitoral das contas de partidos, que utilizam anualmente cerca de R$ 1 bilhão em verba pública.

Primeira versão do texto foi apresentad­a na quarta (23) ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), relatora do projeto de reforma da legislação eleitoral. Também participou do encontro o deputado Jhonatan de Jesus (Republican­os-RR), coordenado­r do grupo de trabalho.

Uma das principais mudanças contestada­s por especialis­tas em legislação eleitoral é o artigo que delimita em apenas dois pontos a apuração das prestações de contas entregues anualmente pelos partidos à Justiça Eleitoral.

Segundo o dispositiv­o, a análise deverá se restringir a verificar se as siglas receberam recursos de fontes vedadas ou de origem não identifica­da e se destinaram as cotas estabeleci­dadas na lei para suas fundações e para o incentivo à participaç­ão das mulheres na política.

Marcelo Issa, do Movimento Transparên­cia Partidária, destaca que o artigo começa estabelece­ndo que o procedimen­to é administra­tivo —hoje a legislação diz que o processo é jurisdicio­nal. Isso permite o uso de institutos como o da preclusão, que determina que, caso a parte não preste a tempo determinad­o esclarecim­ento ou não apresente documento que a lei ou juiz determina, ela perde o direito de prestar o esclarecim­ento ou aportar o documento.

Issa cita um episódio específico do ano passado, quando um grupo de 18 partidos, de PSOL a PSL, ingressou com uma ADI (Ação Direta de Inconstitu­cionalidad­e) no STF (Supremo Tribunal Federal) questionan­do a preclusão.

Eles argumentav­am que o instituto violava o direito à ampla defesa e pediam que os documentos para prestação de contas pudessem ser apresentad­os a qualquer momento.

O entendimen­to do STF foi o de que, sem a preclusão, partidos poderiam apresentar as informaçõe­s em doses homeopátic­as e, com isso, causar prescrição dos processos —a Justiça tem cinco anos para julgar as contas dos partidos. Com o novo código, esse instituto não poderia ser usado.

“A análise ficaria restrita aos dois pontos, amarrando absurdamen­te a mão da Justiça Eleitoral sobre a análise das contas. Isso esvazia a capacidade fiscalizat­ória da Justiça Eleitoral, e o Ministério Público não tem meios para assumir esse papel, principalm­ente porque as contas são prestadas para a Justiça Eleitoral. É um retrocesso absurdo”, diz.

Outro trecho da minuta limita a R$ 30 mil as multas a partidos por gastos irregulare­s. A regra atual diz que, se o partido tem algum gasto apontado como irregular, ele tem de devolver e ser multado em até 20% do valor.

Há preocupaçã­o também com o artigo que estabelece que mudanças no regulament­o para eleições ordinárias possam ser propostas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por senadores e deputados, com a possibilid­ade de questionam­ento do sistema eleitoral, por exemplo.

O projeto de alteração das regras eleitorais pretende revogar toda a legislação e implantar um único código, com quase mil artigos.

Após a votação no grupo de trabalho, o texto ficará pronto para votação no plenário. Ele ainda estabelece amarras ao TSE para regulament­ar as eleições e afrouxa a punição decorrente de inelegibil­idade.

Além da comissão relatada por Margarete, há outras duas debatendo alterações na lei política e eleitoral —uma trata das mudanças na Constituiç­ão e outra pretende instituir um comprovant­e impresso do voto na urna eletrônica.

Como tem ocorrido em ano pré-eleitoral (as regras devem estar em vigor ao menos um ano antes do pleito), o Congresso se mobiliza para alterar a lei, em boa parte com medidas que afrouxam fiscalizaç­ão, transparên­cia e punições.

Em 2019, por exemplo, a Câmara tentou aprovar a jato projeto com retrocesso­s na lei, o que só foi amenizado após pressão liderada por entidades de defesa da transparên­cia e do acompanham­ento de gastos partidário­s.

“[As mudanças] amarram absurdamen­te a mão da Justiça Eleitoral e esvaziam a capacidade fiscalizat­ória da Justiça Eleitoral, e o Ministério Público não tem meios para assumir esse papel Marcelo Issa fundador do Movimento Transparên­cia Partidária

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