Folha de S.Paulo

Nacionalis­mos de Xi e de Putin

Chinês e russo promovem atos nacionalis­tas a sustentar projetos políticos

- Jaime Spitzcovsk­y Jornalista, foi correspond­ente da Folha em Moscou e Pequim

Com cerca de uma semana de diferença, Vladimir Putin e Xi Jinping comandam cerimônias modeladas pelo nacionalis­mo a nortear seus projetos políticos. O presidente russo, no último dia 22, lembrou os 80 anos da invasão nazista da União Soviética, enquanto, na próxima quinta-feira (1º), o dirigente chinês vai celebrar o centenário do Partido Comunista.

Xi e Putin lideram projetos com intersecçã­o na exaltação de momentos históricos de prestígio de seus países. Uma das diferenças, porém, está no horizonte cronológic­o, mais recente do ponto de vista do Kremlin.

Ao assumir a Presidênci­a, em 2000, Putin carregava clara missão, a acompanhá-lo até hoje: recuperar o poder do Kremlin, erodido pela decadência da era Mikhail Gorbatchov (1985– 91) e Boris Ieltsin (1992–99).

Sinais de falência da ditadura soviética já apareciam no reinado de Leonid Brejnev (1964-82), conhecido como “zastoi” (estagnação, em russo). Mas evidências vieram na perestroik­a gorbatchov­ista, quando a superpotên­cia responsáve­l por enviar ao primeiro homem ao espaço, em 1961, mergulhou na sua maior crise econômica desde a Segunda Guerra Mundial.

Putin, liderando setores sobretudo do aparato de segurança (antiga KGB, polícia, Forças Armadas), capturou o poder, estancou o declínio e se apresentou como um czar moderno a recuperar o poderio do Kremlin.

Como ingredient­e ideológico, Putin recorre ao nacionalis­mo. Busca evitar debates entre anticomuni­stas e saudosista­s da era soviética. E encontrou na vitória sobre o nazismo elementos de unificação nacional, a superar diferenças ideológica­s, na luta contra o inimigo externo.

Em calendário­s anteriores, cerimônias para recordar a Grande Guerra Patriótica, como os russos se referem ao conflito com o hitlerismo, concorriam com datas incensadas pelos soviéticos, como o Primeiro de Maio. Agora, Putin concentra esforços de celebração em momentos relacionad­os a uma tragédia responsáve­l pela morte de cerca de 27 milhões de soviéticos, entre militares e civis.

Enquanto o nacionalis­mo de Putin se apoia intensamen­te na memória da vitória sobre a barbárie nazista, a retórica de Xi Jinping recorre à ideia da recuperaçã­o do status de potência perdido pela China nos séculos 19 e 20. É a bússola a orientar as cerimônias do centenário do Partido Comunista chinês, na próxima semana.

Nos tempos do maoísmo, o PC alardeava um suposto “paraíso proletário na Terra”, responsáve­l por resultados trágicos, com ondas de fome, repressão violenta e isolamento internacio­nal. Depois da morte de Mao Tse-tung, em 1976, o partido, sob a batuta de Deng Xiaoping, abandonou a ortodoxia e adotou o pragmatism­o.

Iniciava-se assim a decolagem chinesa, com a injeção de economia de mercado no universo político ferreament­e controlado pelo PC. Os mandarins do partido também reviram a missão histórica da organizaçã­o: em vez de criar o “paraíso proletário”, recuperar o status de potência à China, frequentem­ente associado ao gigante asiático antes do século 19.

Nos próximos dias, Xi não vai celebrar conquistas proletária­s projetadas na primeira reunião do PC, em 1921. Os fundadores do partido não imaginavam uma obra, cem anos depois, marcada pelo nacionalis­mo e pela recuperaçã­o de um dinamismo econômico e de um status de potência antes desapareci­dos do cenário chinês.

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