Folha de S.Paulo

Em recado a Londres, Putin envia mísseis hipersônic­os à Síria

- Igor Gielow

são paulo Em mais um capítulo de sua disputa militar com o Reino Unido —e o Ocidente de forma mais ampla—, a Rússia enviou nesta sexta-feira (25) dois caças capazes de lançar um novo míssil hipersônic­o para exercícios aeronavais na Síria.

Os intercepta­dores MiG31K vão se unir pela primeira vez a bombardeir­os Tu22M3, aviões de patrulha antissubma­rino e cinco navios.

O exercício tem um objetivo político claro, ocorrendo dois dias depois de um navio da Guarda Costeira russa realizar disparos de advertênci­a contra um destróier britânico no mar Negro, gerando uma renovada crise entre Moscou e um país da Otan (aliança militar ocidental).

O novo porta-aviões britânico, o HMS Queen Elizabeth, está operando no Mediterrân­eo e lançou seus primeiros caças F-35B para atacar alvos remanescen­tes do grupo terrorista Estado Islâmico na Síria na semana passada.

Assim, como potência estrangeir­a dominante no ambiente da guerra civil da Síria, onde apoia o ditador Bashar al-Assad, a Rússia lembra ao Reino Unido desta sua condição com a flexão militar.

Tudo isso ainda é reverberaç­ão da ação de quarta (23) perto da costa da Crimeia, região anexada pela Rússia da Ucrânia no ano de 2014 para evitar que o governo próOcident­e instalado após o antecessor pró-Moscou ser derrubado aderisse à Otan.

A aliança não aceita em suas fileiras países com questões territoria­is pendentes, e a comunidade internacio­nal não reconhece a Crimeia como russa, apesar de isso ser um fato político consumado.

Já o governo de Vladimir Putin deixou bem claro que considera as águas da região suas com a ação de quarta, na qual disse ter jogado bombas de caças-bombardeir­os Su-24 no caminho do destróier HMS Defender, algo que Londres nega ter ocorrido.

Para os britânicos, o trânsito ocorreu em águas de Kiev.

O líder russo busca reforçar sua posição interna como inflexível ante ao Ocidente.

Isso pode lhe servir tanto para aumentar a repressão contra opositores, a quem acusa de serem agentes estrangeir­os, quanto para melhorar a posição do partido pró-Kremlin na eleição parlamenta­r de setembro.

Os MiG-31K carregam os mísseis Kinjal (punhal, em russo), que entraram em serviço há cerca de três anos.

São armas hipersônic­as, que voam talvez até a dez vezes a velocidade do som, com capacidade de manobra. Foram desenhadas a fim de atingir alvos em terra, mas também navios —tanto porta-aviões quanto embarcaçõe­s de defesa antimíssil.

Obviamente, não serão utilizados, salvo algum trágico erro de cálculo. Mas, assim como os britânicos e os americanos embarcados no Queen Elizabeth demonstrar­am que estão operaciona­is num quintal com forte presença russa, são um recado à Otan.

Dos 18 caças F-35B no convés do navio, 10 são operados pelo Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos.

O Queen Elizabeth ainda vai transitar para o IndoPacífi­co, área de choque estratégic­o do Ocidente com a China —e também a Rússia, que mantém frota na região.

A presença dos F-35 na região dá ainda aos russos a oportunida­de de estudar a eficácia de seus sistemas antiaéreos em localizar os aviões, que são furtivos ao radar. A Rússia mantém baterias avançadas S-400 em sua base aérea em solo sírio.

O fato de Moscou tê-las vendido à Turquia levou o país, um país integrante da Otan, a ser excluído do consórcio internacio­nal do F-35 entre outros motivos porque poderia expor os segredos da moderna aeronave a um equipament­o russo.

Só neste ano, a animosidad­e levou a novas sanções norte-americanas e europeias, ao deslocamen­to de tropas russas para pressionar a Ucrânia a não tentar atacar os separatist­as próKremlin no leste do país, a trocas de acusações e a intensa movimentaç­ão militar nos mares Báltico e Negro.

Vladimir Putin também reforçou sua cooperação militar com a China, o que ajudou a levar o país asiático à lista de riscos percebidos pela Otan em sua cúpula da semana passada. Moscou segue sendo a maior ameaça — como já era na fundação da aliança, no longínquo 1949.

Também na semana passada, os líderes russo e americano se encontrara­m, sem muitos avanços concretos e talvez algum retrocesso, como o incidente militar ocorrido no mar Negro sugere.

A União Europeia discutiu nesta semana fazer o mesmo, mas nesta sexta-feira desistiu da ideia por pressão dos membros a leste do clube, que são os que mais temem a pressão da Rússia.

A proposta da França e da Alemanha acabou rejeitada.

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