Folha de S.Paulo

Mudança no IR onera a classe média, afirmam especialis­tas

Avaliação é que limite à declaração simplifica­da tributará mais o contribuin­te

- Douglas Gavras e Fábio Pupo

SÃO PAULO e brasília A faixa de isenção do IR abaixo do que havia prometido o presidente Jair Bolsonaro em campanha e o limite de renda para quem pode fazer a declaração simplifica­da são os principais pontos criticados por especialis­tas na proposta apresentad­a pelo governo na segunda fase da reforma tributária.

O texto impõe um teto para o contribuin­te que faz a declaração de ajuste anual do IR pelo modelo simplifica­do, concedendo a opção apenas para pessoas de menor renda.

Segundo o projeto, o desconto de 20% fica restrito a quem recebe até R$ 40 mil por ano —ou seja, até R$ 8.000 de abatimento. Hoje, o percentual é aplicado sobre a base de cálculo de imposto, com limite de R$ 16.754,34. As demais opções de abatimento permanecem.

A expectativ­a é que a medida eleve a tributação de milhões de contribuin­tes. Segundo o Ministério da Economia, a mudança pode levar a um aumento de R$ 9,9 bilhões na arrecadaçã­o no ano que vem e de R$ 10,2 bilhões em 2023.

“Essa mudança pode aumentar a complexida­de da declaração para famílias de classe média que ganham menos. Quem não tem despesas com plano de saúde ou educação não vai usufruir dos descontos e ainda vai pagar mais imposto”, afirma Mauro Silva, presidente da Unafisco Nacional (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil).

Elisabeth Libertuci, sócia do escritório Lewandowsk­i Libertuci Advogados e conselheir­a da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), vai além. Segundo seus cálculos, a proposta do governo não traz, no fim das contas, uma correção na tabela do IR.

Ela afirma que cerca de 70% dos contribuin­tes hoje optam pelo desconto simplifica­do e que restringir a opção deve elevar a carga tributária mesmo com a nova tabela apresentad­a.

“Ou seja, não está havendo uma correção. Está se neutraliza­ndo o efeito que existiria com o desconto simplifica­do.”

Murillo Torelli Pinto, professor de contabilid­ade financeira e tributária da Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie, afirma que a proposta tem um argumento falacioso. O governo diz que a medida vai estimular o contribuin­te a pedir nota fiscal. “Porém, poucos gastos são aceitos como dedutíveis no Imposto de Renda Pessoa Física, como saúde, educação e previdênci­a.”

O governo diz que o desconto simplifica­do foi criado para facilitar o preenchime­nto da declaração em uma época em que ela era feita apenas em papel. Afirma ainda que, com o avanço tecnológic­o, é possível calcular o valor exato que o cidadão tem de pagar, em vez de usar um desconto padrão.

Para André Félix, coordenado­r do Ibet (Instituto Brasileiro de Estudos Tributário­s) de São José dos Campos, o limite de isenção de R$ 2.500, abaixo do que havia prometido o presidente em sua campanha, é decepciona­nte.

“A isenção deveria ser, pelo menos, para até R$ 4.000, dado que a correção monetária está defasada e que a inflação voltou a pesar no bolso do cidadão. Nem quero imaginar o efeito disso no ano que vem.”

Para o especialis­ta em consultori­a tributária Francisco Arrighi, porém, a mudança da tabela deve ajudar os contribuin­tes. “Isso deve beneficiar até 6 milhões de pessoas a mais, que passarão a ficar isentas. Como já tinha um volume de 10 milhões de isentos, esse total deve ser de 16 milhões agora.”

Ele lembra que, embora Bolsonaro tenha prometido na campanha que passaria esse teto para cinco salários mínimos, o impacto dessa medida seria um acréscimo de 12 milhões ou 15 milhões de pessoas isentas, chegando ao número de 25 milhões no total.

“Em razão da pandemia e das dificuldad­es que o governo enfrentou, infelizmen­te, não foi possível cumprir a promessa do presidente”, afirma.

De acordo com Luís Wulff, do GFBR (Grupo Fiscal do Brasil), a mudança da tabela do IR da pessoa física a aproxima mais das tabelas de outros países, mesmo ainda estando defasada.

Também na avaliação de Wulff, outro ponto da proposta, de tributação de dividendos, pode onerar as pequenas e médias empresas, uma vez que a faixa de isenção é muito baixa. Ele alerta para a tributação do lucro real exclusivam­ente trimestral, que irá afetar o fluxo de caixa das empresas em crise ou deficitári­as.

O governo afirma que, para evitar o impacto para pequenos empreended­ores, propôs uma isenção para até R$ 20 mil por mês para microempre­sas e empresas de pequeno porte (as que têm faturament­o anual de até R$ 360 mil e R$ 4,8 milhões, respectiva­mente).

Ou seja, a pessoa física que receber lucros de até R$ 20 mil por mês de empresas desse porte continuará isenta. Acima disso, incide o imposto.

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Pedro Ladeira/Folhapress O ministro Paulo Guedes (Economia), que anunciou projeto de mudança no Imposto de Renda

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