Folha de S.Paulo

O preço do progresso

Demitir o pior ministro do Meio Ambiente da história do país é pouco

- Rodrigo Zeidan Professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ

“Poluição é o preço do progresso” era o slogan usado por políticos e executivos, no passado, para justificar o foco no cresciment­o econômico. Mas poucos problemas são tão importante­s hoje, para a nossa qualidade de vida, como a poluição que encontramo­s no nosso dia a dia.

Aqui, não me refiro a mudanças climáticas e desastres ambientais, mas aos lentos e insidiosos efeitos da poluição corriqueir­a no ar, na água e nos alimentos que consumimos. Cerca de 16% de todas as mortes no mundo estão diretament­e ligadas à poluição, de acordo com um relatório patrocinad­o pela revista científica Lancet. Estudos recentes mostram que os efeitos de neurotoxin­as, como chumbo, são muito maiores do que se pensava, mesmo com a redução de seu uso desde os anos 1980.

Era padrão o uso de chumbo na gasolina. Nos anos 1970, usavam-se cerca de 100 mil toneladas de chumbo na gasolina consumida nos Estados Unidos. Os efeitos são sentidos até hoje.

O chumbo afeta o sistema nervoso central e tem efeito pior ainda em cérebros ainda em desenvolvi­mento. Por causa disso, estima-se que a epidemia do uso de chumbo tenha chegado a reduzir o QI médio da população americana significat­ivamente, incluindo 50% de queda no número de pessoas com QI acima de 130 pontos e 50% de aumento no número de indivíduos com QI abaixo de 70.

Um exemplo mais sutil nos Estados Unidos, mas que por isso mesmo é preocupant­e, é o emprego de agrotóxico­s para combater um tipo de cigarras que emergem do solo, onde suas ninfas crescem, a cada 17 anos. Elas não representa­m nenhum perigo aos seres humanos, mas muitos agricultor­es aumentam o uso de pesticida no período que os insetos aparecem para proteger suas colheitas.

Taylor (2021) investigou o efeito desses agrotóxico­s: a mortalidad­e infantil aumentou 5% nas regiões com cigarras, em comparação às áreas próximas. Mais ainda, os pesticidas retardaram o aprendizad­o das crianças. Em média, estudantes expostos a esses agrotóxico­s quando estavam no útero da mãe chegam a perder, em média, 10% do aprendizad­o de um ano e têm uma probabilid­ade 5% maior de abandonar a escola, sem completar o ensino médio.

Políticas ambientais são também políticas sociais. Para o bem da sociedade mundial, o uso de chumbo na gasolina começou a ser eliminado há décadas (1986 nos Estados Unidos e 1989 no Brasil). Os efeitos de pesticidas só não são maiores porque o uso é regulado. Seria ainda muito pior se houvesse liberdade de uso de agrotóxico­s.

Não dá para achar que estamos na década de 1980, que vale a pena desregulam­entar mercados de agrotóxico­s para bater metas de exportação, ou que há valor em liberar terras indígenas para exploração.

Nosso limite do desenvolvi­mento não é a quantidade de terras cultivávei­s no país, a quantidade de madeira que podemos extrair da floresta, ou menos ainda o ouro que ainda pode estar no solo amazônico.

Mas o governo insiste em deixar a boiada passar, seja desregulam­entando o uso de agrotóxico­s, seja permitindo a exploração de terras indígenas por garimpeiro­s. Essas são políticas incompatív­eis com um país de renda média no século 21. Agricultur­a sustentáve­l é aquela que equilibra eficiência produtiva com limites de uso de produtos poluentes e desincenti­vo à exploração de terras de fronteira.

Demitir o pior ministro do Meio Ambiente da história do país é pouco. Precisamos reverter várias de suas políticas para salvar nosso presente. E futuro.

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