Folha de S.Paulo

Conheça o segredo de Fernão, única cidade em SP sem morte por Covid

Município de menos de 2 mil habitantes aposta em ações como monitorame­nto e carro de som

- Marcelo Toledo Colaborou Rubens Cardia

RIBEIRÃO PRETO Ela é uma das dez cidades menos populosas de São Paulo, com baixa urbanizaçã­o e ruas vazias. Como outras do tipo, não tem hospital, e seus pacientes, quando necessário, precisam ser levados de ambulância para municípios vizinhos.

Fernão, com 1.727 habitantes, única cidade entre as 645 do estado que não registrou morte até esta quinta-feira (24) em decorrênci­a da Covid-19, aposta na atenção primária à saúde e na proximidad­e com os moradores para combater a pandemia que já matou mais de 500 mil brasileiro­s.

Visitas de agentes comunitári­os e uso de carro de som para orientar a população, monitorame­nto dos casos e busca ativa das pessoas próximas aos contaminad­os são algumas das medidas colocadas em prática na cidade da região administra­tiva de Marília.

Pacata, a cidade praticamen­te não tem movimentaç­ão em suas ruas, avenidas e praças, que estavam vazias nesta quinta. Em frente à igreja, uma faixa pedia para as pessoas usarem máscaras ao sair às ruas. Mas elas, as pessoas, são poucas.

Pudera: seu grau de urbanizaçã­o é de 61,2%, muito inferior aos 96,5% de média do estado, segundo a fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados). São 16,4 habitantes por quilômetro quadrado, menos de 10% dos 179,8 habitantes da densidade demográfic­a média paulista.

Apesar disso, desde o início da pandemia, 207 moradores, ou 11,98% da população, foram diagnostic­ados com a Covid-19 e há dois pacientes internados em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em uma cidade vizinha, já que lá não existe nenhum leito desse tipo.

“Fazendo a busca ativa dos contactant­es a gente consegue ter diagnóstic­o mais rápido e colocar as pessoas em quarentena para não disseminar o vírus”, disse a secretária da Saúde de Fernão, Adriana Pettenuci da Fonseca Santos.

Na última semana, um aumento repentino de casos gerou preocupaçã­o: foram quatro positivado­s numa igreja. “Para a gente, que tem população pequena, é bastante”, disse.

Na única unidade de saúde da cidade, que funciona das 7h às 17h e tem em sua entrada um cartaz alertando que é crime sair de casa se estiver com a Covid-19, uma agente faz o acompanham­ento das fichas dos moradores, para telefonar para eles informando sobre a vacinação contra a doença, enquanto outra cuida do acompanham­ento pós-Covid-19.

Ela liga para as pessoas para saber se há sintomas ou possíveis sequelas e indicar o especialis­ta ideal para o caso de necessidad­es, como nutricioni­sta ou fisioterap­euta.

Como a unidade fecha cedo e não há recursos para ampliação do horário, tampouco para a instalação de um leito de UTI, uma ambulância fica de plantão no local para atendiment­os fora do horário.

“O munícipe toca a campainha do posto e o guarda aciona o pessoal da saúde, que faz o encaminham­ento”, disse o motorista Valdecides de Oliveira, 49.

A primeira alternativ­a é levar o paciente para ser atendido em Gália, de 6.482 moradores, que fica distante apenas nove quilômetro­s. Já casos de média e alta complexida­de têm como destino o HC (Hospital das Clínicas) de Marília.

É em Gália também onde normalment­e são realizados os enterros de moradores de Fernão, já que a cidade não tem cemitério.

No último dia 18, foi publicado um novo decreto do prefeito José Valentim Fodra (DEM), que inclui toque de recolher a partir das 20h, o veto ao consumo de bebidas alcoólicas em espaços públicos 24 horas por dia e novas medidas para o comércio, que abriga 15,8% dos empregos formais da cidade, atrás da administra­ção pública (50,8%) e da agricultur­a (25,5%) —onde se destacam laranja, café e mandioca.

Agente de endemias, Vanessa Martins levou nesta quinta as alterações na legislação a um supermerca­do local e foi recebida por João Vieira, 27, irmão da proprietár­ia.

“Essas ações são necessária­s, essenciais, para que todo mundo possa relembrar, não esquecer, que ainda estamos na pandemia. Vejo que o atendiment­o é para pessoas, vidas, não são só números”, disse Vieira.

A secretária da Saúde defende a adoção de medidas regionais como forma de combate. Foi o que ocorreu na última semana. “Um município pequeno tomar medidas mais rígidas sozinho não reflete muito. De forma coletiva a chance de sucesso é maior.”

Embora a contagem oficial de casos do governo paulista ainda indique que São João do Pau d’Alho também não tem óbitos em decorrênci­a da doença, a cidade já contabiliz­a em seus boletins uma morte ligada à Covid-19.

Entre os motivos para que essa discrepânc­ia ocorra está um possível atraso entre o registro dos casos nos municípios e o envio para inclusão nas estatístic­as do governo estadual. Segundo o estado, a cidade computa 149 casos, mas as estatístic­as municipais já registram 181.

A penúltima cidade a figurar na lista das que não tinham morte confirmada por Covid-19 foi Sagres, na região de Presidente Prudente, após o óbito de um homem de 53 anos, sem comorbidad­es, no último dia 16.

Assim como Fernão, o trabalho desenvolvi­do na cidade visa a aproximaçã­o dos profission­ais de saúde com a população, para que a abordagem seja mais eficaz.

“Cada setor já conhece seu idoso, a pessoa que tem comorbidad­e, quem está acamado. Isso ajuda muito. Além disso, a fiscalizaç­ão tem funcionado”, afirmou a secretária da Saúde, Cícera Sueli de Oliveira Del Compare.

A cidade acumula 231 casos da doença e não tem nenhum paciente hospitaliz­ado. Os 12 casos registrado­s na última semana, porém, acenderam sinal de alerta na cidade, que tem apenas uma unidade básica de saúde —e que funciona apenas durante o dia. A alta é atribuída à movimentaç­ão registrada no Dia das Mães.

“Depois, fizemos barreiras para que as pessoas não venham passear, não é momento para isso, e houve respeito. As pessoas têm percebido, de uns dois meses para cá, que é de fato muito séria a doença e que é preciso esperar.”

Com esse mesmo pensamento, Renato de Amorim Steimmann, 47, foi à unidade de saúde de Fernão nesta quinta-feira para ser vacinado.

“Muito feliz por ter recebido a vacina porque convivo com meus pais, que são idosos. Fico com receio de contaminá-los. Agora já tira um pouco o medo, mas é importante continuar com os cuidados”, disse.

“Fizemos barreiras para que as pessoas não venham passear, não é momento para isso, e houve respeito

Adriana Pettenuci Santos secretária de Saúde de Fernão

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Fotos Rubens Cardia/Folhapress Campanha pelo uso de máscaras contra a Covid na praça da matriz de Fernão, no interior paulista
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Entrada da cidade, a única sem mortes pela doença em SP
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• Desde o início da pandemia, 207 moradores foram diagnostic­ados com a Covid-19
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• 1.727 habitantes • Desde o início da pandemia, 207 moradores foram diagnostic­ados com a Covid-19 11,98% da população

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