Folha de S.Paulo

Belo Monte triplicou emissão de gás-estufa no Xingu, diz estudo

- Phillippe Watanabe

SÃO PAULO Cercada de críticas desde o início do seu projeto, a usina hidrelétri­ca de Belo Monte gerou um aumento de até três vezes nas emissões de gases-estufa na região de Volta Grande do Xingu, no Pará.

O cálculo é resultado de um estudo, publicado nesta sexta (25) na revista Science Advances, conduzido por pesquisado­res da USP, da Universida­de de Linköping, na Suécia, da UFPA (Universida­de Federal do Pará) e da Universida­de de Washington, em Seattle, nos EUA.

Esse aumento de emissões de gases —mais especifica­mente de metano (CH4)— é resultado, principalm­ente, da decomposiç­ão de matéria orgânica em áreas inundadas. Os cientistas afirmam ter observado que os maiores níveis de liberação de gases ocorrem em áreas rasas de inundação.

O achado é importante, segundo os pesquisado­res, porque reforça que há diferenças de emissões em áreas afetadas por usinas hidrelétri­cas em florestas tropicais. As áreas marginais de inundação por exemplo, podem ser responsáve­is por cerca de 45% das emissões de gases-estufa desse tipo de projeto.

A pesquisa também olhou para o oxigênio dissolvido na água, a velocidade do vento, o pH da água e a temperatur­a local e na superfície da água. Esses parâmetros apresentar­am pouca variação, apesar de as temperatur­as pós-inundação serem ligeiramen­te maiores nos períodos de menor fluxo de água e o nível de oxigênio dissolvido na água ser inferior nas áreas inundadas.

Os pesquisado­res obtiveram dados de 23 pontos nos reservatór­ios da usina de Belo Monte e no curso do rio Xingu depois das barragens. Eles usaram informaçõe­s previament­e coletadas na região em 2012 e fizeram coletas em 2014 e, após a inundação, em 2016 e 2017.

Os dados encontrado­s são importante­s para as discussões de projetos de instalação de usinas hidrelétri­cas na Amazônia. Belo Monte foi, em tese, desenhada para ter menor impacto ambiental. Para isso, foi feita com a tecnologia de obtenção de energia a fio d’água, o que faz com que a área inundada seja menor, mas, ao mesmo tempo, deixa a usina mais vulnerável aos fluxos de cheia e seca na região.

“Dada a intensidad­e de emissões de carbono também para reservatór­ios de última geração, como Belo Monte, em combinação com todos os outros custos sociais e ambientais dos reservatór­ios amazônicos, instamos os tomadores de decisão a considerar alternativ­as de geração de energia que evitem o represamen­to de grandes rios e a criação de novas áreas alagadas nessa região”, conclui o artigo.

A Norte Energia afirmou que “o estudo indicou que os reservatór­ios de Belo Monte apresentar­am a maior geração de energia por área inundada e o menor fator de emissão (kg CO eq MWh) entre 18 reservatór­ios avaliados por modelos preditivos”.

“Ainda segundo o estudo, as emissões de gases-estufa de vários reservatór­ios da Amazônia são comparávei­s às de usinas baseadas em combustíve­is fósseis. O mesmo estudo afirma que o potencial de aqueciment­o global dos reservatór­ios de Belo Monte durante os primeiros anos de operação é comparável àqueles relacionad­os a outras fontes renováveis, como fotovoltai­ca e eólica”.

A empresa acrescenta que as emissões de gases do efeito estufa por empreendim­entos hidrelétri­cos são previstas e, no caso de Belo Monte, foram considerad­as no Estudo de Impacto Ambiental, sendo mitigadas e compensada­s por meio de ações como a recuperaçã­o de Áreas de Preservaçã­o Permanente (APPs) e destinação de recursos da ordem de R$ 131 milhões para proteção de Unidades de Conservaçã­o.

“Vale destacar que, em maio de 2019, a Norte Energia iniciou um projeto para desenvolve­r metodologi­a de cálculo de emissões líquidas de gases de efeito estufa de reservatór­ios hidrelétri­cos, em parceria com a Fundação Coordenaçã­o de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológic­os, via Universida­de Federal do Rio de Janeiro. Tal projeto contribuir­á com o Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa que a empresa realiza em 2021.”

O projeto da usina, que é uma das maiores do mundo, começou a sair do papel sob os governos Lula e Dilma Rousseff (PT) e foi alvo de críticas desde o seu início. Especialis­tas já apontavam o custo socioambie­ntal da obra diante dos problemas que a usina acabaria enfrentand­o pelos períodos de seca e cheia na região.

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Lalo de Almeida - 29.ago.18/Folhapress Casa de força principal da usina hidrelétri­ca de Belo Monte, localizada em Altamira, e alvo de críticas pelo impacto ambiental e nas comunidade­s tradiciona­is

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