Folha de S.Paulo

Pacto pelo futebol é a solução para crise na CBF, diz Feldman

Para ex-secretário-geral da entidade, afastament­o de Caboclo seria outra saída

- Paulo Vinícius Coelho

RIO DE JANEIRO Walter Feldman assumiu a secretaria-geral da CBF em 2015, em meio a uma grande crise institucio­nal da entidade que rege o futebol brasileiro, com o estouro do escândalo Fifagate. Neste mês, deixou o cargo durante nova turbulênci­a nas estruturas do prédio da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.

Para ele, o momento atual é mais delicado do que o de quando entrou, depois da prisão de José Maria Marin, porque o problema agora vem de um desvio de comportame­nto do presidente Rogério Caboclo, acusado de assédio sexual e moral por uma funcionári­a.

Antes da conversa, Feldman fez questão de colocar três premissas: diz não ser candidato a nada e que está se afastando da estrutura de organizaçã­o do futebol para sempre; que não tem mágoa e entende perfeitame­nte os jogos do poder; que sai com a consciênci­a de ter feito tudo o que era possível no tempo oferecido e ter participad­o da melhora do futebol.

Feldman também deu detalhes do problema no vestiário entre Caboclo e os jogadores, e sugeriu um “Pacto pelo Futebol” para contornar a crise na instituiçã­o que controla o esporte no país.

Por que o senhor saiu da CBF?

Quando Rogério Caboclo sai, assume Antônio Carlos Nunes, presidente de plantão, e o conjunto de vice-presidente­s. Junto com essa crise profunda, veio uma demanda dos clubes da Série A, com reivindica­ções muito expressiva­s. A posição de alguns vice-presidente­s era de que a reunião seria inoportuna, pois na fragilidad­e da interinida­de, qualquer demanda seria difícil de ser respondida. Os clubes insistiram para que mesmo assim a reunião ocorresse, o que eu apoiava. O vice-presidente Gustavo Feijó (AL), incomodado, caracteriz­ou minha insistênci­a como uma representa­ção dos clubes dentro da CBF e solicitou a minha exoneração. Dizia também representa­r federações, de visão conservado­ra, preocupada­s com [uma possível] perda de força.

Gustavo Feijó trabalha em conjunto com o ex-presidente Marco Polo Del Nero?

Não falarei sobre Marco Polo.

Por quê?

Porque essa é uma história que, na minha avaliação, está resolvida pela decisão da Fifa. Nesta conversa, pretendo dizer tudo que eu sei, não o que não sei. Rogério Caboclo cita Marco Polo numa manifestaç­ão recente. Quem pode dizer isso é ele.

Mas o senhor chegou à CBF convidado por Marco Polo Del Nero...

Sim. Fui convidado pelo Marco Polo, porque eu era secretário de esportes de São Paulo. Fizemos um trabalho muito bom na área do futebol amador. Em 2014, saí da campanha da Marina Silva. Marco Polo, então, me sugeriu vir à CBF para assumir o cargo de secretário-geral. Depois, continuei com Rogério Caboclo. Presidi o comitê de reformas, na abertura do debate sobre as mudanças do futebol do Brasil.

O senhor e a diretoria da CBF foram complacent­es com o caso de assédio sexual de que Caboclo é acusado?

Não. Não houve complacênc­ia e considero injusto não entender como o caso aconteceu. O Rogério teve uma gestão de muita qualidade, com suadi retoria altamente profission­al, até seis meses atrás. Foi quando o capitão do time tentou acumular as funções de técnico e jogador principal. Tornou-sem ais autoritári­o, mais distante da diretoria e começou ate rum comportam entoque não combinava como Rogério do passado. Houve distanciam­ento coma diretoria e adotou medidas que não correspond­iam com os cinco anos anteriores. Quando apareceram os boatos de assédio, começamos a discutir isso, como a imprensa o fez.

Todos diziam que havia uma fita. Eu nunca tive acessoa ela. Ao mesmo tempo, a funcionári­a, e só ela, que tinha o direito de julgar o momento de apresentaç­ão da denúncia. Vivemos dois ou três meses na expectativ­a de que algo ocorresse. Não houve nem conivência, nem cumplicida­de. Tentamos descobrir e respeitamo­s a decisão da funcionári­a. Não poderíamos fazer a denúncia antes da apresentaç­ão da materialid­ade dos fatos.

Como se deu a ruptura?

Quando Rogério vai à Granja Comary conversar com os jogadores. O doutor Jorge Pagura e eu fomos juntos. Rogério criou uma desintelig­ência com a seleção brasileira. Os jogadores e a comissão técnica criticam a Copa América, e há um claro afastament­o da comissão e do presidente. Torna-se uma situação dramática, quando a CBF se distancia de sua atividade central, que é dar as condições administra­tivas, financeira­s e psicológic­as à atividade da seleção.

Os jogadores perceberam ele alterado?

Não sei, mas a situação se radicaliza em Porto Alegre, quando o presidente decide ir ao vestiário antes do início da partida. É este o momento do rompimento. Cafu alertou para que não fosse, pois atrapalhar­ia o foco da seleção. Rompeu ali com um princípio básico e esse foi o início da nossa discussão. Eu disse a ele que era inaceitáve­l, que ele não era o dono da CBF e que nós da diretoria iríamos trabalhar pelo seu afastament­o.

Há depoimento­s de que o senhor amparou-o na saída da CBF, depois de uma tentativa de comprar o avião. O senhor não sabia da compra?

Há muito tempo ele vinha falando que seria bom haver uma troca de avião. Mas nunca trabalhei nisso. Quem participou foram outras diretorias. Quando saí de lá com ele, era para tratar da questão da vinda dos jogadores da Inglaterra que teriam que passar uma quarentena antes de se apresentar­em à seleção.

Com a rebeldia de parte das federações e unidade dos clubes, é possível prever o processo sucessório da CBF?

Passamos pela maior crise da história da CBF, pois ela vem de dentro. A diretoria é muito boa, qualificad­a e profission­al. Há uma interinida­de complexa, porque envolve a assembleia das federações que pode ou não confirmar a decisão da comissão de ética sobre o afastament­o definitivo do presidente. E um colégio eleitoral, que vai escolher o sucessor entre os vice-presidente­s para um mandato tampão, caracteriz­ada por uma nova união dos clubes das séries A e B.

E oque vai acontecer?

Posso apresentar uma sugestão. Agora de fora. É preciso dar estabilida­de à seleção, à organizaçã­o do calendário, e uma resposta à questão da liga. Numa crise que envolve todos, inclusive os patrocinad­ores, que financiam o futebol, é momento de muita sensibilid­ade, inteligênc­ia coletiva, de novas condutas e novos procedimen­tos.

Deveríamos fazer o que chamo de concertaçã­o. Não é consertar, mas é a definição de um pacto do futebol, como houve o pacto de Moncloa.

Ofutebo lé muito import antepara o Brasil. É uma cadeia produtiva que envolve recursos da ordem de R$ 54 bilhões, 150 mil trabalhado­res, 0,7 do PIB. Éa atividade social e cultural mais enraizada do povo Brasileiro. Não pode ter saídas da crise pelos bastidores, da sombra, dearticula­ções de pequenos grupos. Tem que ser coma luz da sociedade brasileira, pois extrapola os limites da CBF.

O senhor está propondo o grande “Pacto do Futebol Brasileiro”?

Sim. Isso mesmo. Que reúna todas as partes, que se discutam as questões globais. Fazer de forma desapegada, cedendo. O Caboclo defender-se não significa voltar à presidênci­a. Seu julgamento e até uma eventual constataçã­o de inocência não resolve a questão de representa­ção do cristal que se quebrou. Ele poderia entender que uma saída espontânea da presidênci­a o livraria de tantas angústias que hoje se estendem a todo o sistema.Diz respeito também à escolha do novo presidente que entre os vices tenha as melhores condições de representa­r essa transição e um novo futebol que pode estar nascendo.

E a criação da Liga?

A liga é uma vontade dos clubes e a CBF precisa respeitar esse desejo. Se os clubes acham que podem se organizar melhor e captar mais recursos, isso deve estar aberto ao debate. Por que a CBF se colocaria contra 40 clubes do país? Sabemos que não vai acontecer, se por acaso a CBF estiver contra. Por isso, é preciso criar o processo em harmonia. A Liga tem de ter conexão com competiçõe­s internacio­nais, precisa entender e cumprir seu novo papel. Essa contradiçã­o que não pode existir mais entre federações e clubes. Que não exista medo da perda de poder. O lado mais saudável das federações, isso existe majoritari­amente, trabalha pelo desenvolvi­mento do futebol necessário em seus estados.

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