Folha de S.Paulo

Entre tragédia e glória, Dinamarca mostra DNA imponderáv­el

- Alex Sabino

13h, Amsterdã, Holanda Na TV: SporTV

SÃO PAULO Em pouco mais de uma semana, a Dinamarca viveu extremos em sua jornada na Eurocopa. Foi do drama ao êxtase. Agora pode fazer história outra vez.

Em 12 de junho, durante a estreia da seleção contra a Finlândia, o meia Christian Eriksen sofreu parada cardíaca em campo e teve deserressu­cit ado pela equipe médica. Na última segunda (21), o time fez 4 a 1 na Rússia e conseguiu o que parecia ser uma improvável classifica­ção para as oitavas de final.

Aquase tragédia e reviravolt­a fizeram a Dinamarca se transforma­r na preferida do torcedor neutro na competição europeia. O que não é novidade.

“Nós ousamos sonhar grande, mas sabemos que há equipes maiores com melhores chances de vencer. É futebol, e em 90 minutos tudo pode acontecer”, diz o técnico Kasper Hjulmand.

Neste sábado (26), às 13 horas (de Brasília), o rival será o País de Gales, em Amsterdã, com transmissã­o do SporTV. É uma campanha que pode reviver os anos em que a Dinamarca era a seleção mais cult do planeta.

“Cada jogo na Copa do Mundo do México era como se fosse carnaval”, afirma o jornalista Mike Gibbons, um dos autores do livro Danish Dynamite: The Story of the Football Greatest Cult Team (Dinamite Dinamarque­sa: A História do Maior Time Cult da História, em inglês), sobre aquela equipe dos anos 1980.

Na primeira vez em que se classifica­ram para o torneio europeu, em 1984, chegaram à semifinal. Seus jogadores não foram as únicas atrações. A Eurocopa nunca tinham visto torcedores como aqueles, dispostos a festejar por 24 horas, sem arrumar brigas e a trocarem souvenirs com gente de outras nações.

Dois anos mais tarde, no Mundial de 1986, enquanto algumas seleções se encastelar­am em concentraç­ões, a Dinamarca passou o torneio em hotel na Cidade do México que era aberto a torcedores, imprensa e cidadãos locais.

“Eles se tornaram tão populares que no dia em que foram embora, após a eliminação, os funcionári­os do hotel choraram”, lembra o jornalista do país Lars Eriksen, outro autor da obra.

A imagem de alegria fazia com que a Dinamarca não fosse detestada nem pelo maior rival. Quando foi a improvável campeã europeia de 1992, em Gotemburgo, seus torcedores festejaram com os suecos, anfitriões do torneio.

“Fomos azarões a campanha inteira. Nem deveríamos estar lá e jogamos a semifinal contra a Holanda e a final contra a Alemanha. Sempre tivemos a torcida de quem não era holandês ou alemão”, constatou o atacante Brian Laudrup após a maior zebra da história da Eurocopa.

O país não havia se classifica­do para o torneio. Pouco mais de uma semana antes da abertura, foi convidado a participar na vaga da Iugoslávia, suspensa por causa da guerra nos Balcãs. A maioria dos jogadores estava de férias e teve de voltar às pressas.

Tratou-se apenas de mais um imponderáv­el de quem se se habituou a não ser comum no futebol.

Até 1971, o esporte na Dinamarca era amador, apesar de ter uma das federações fundadoras da Fifa. Isso significav­a que se o atleta fosse para um clube do exterior e passasse a viver financeira­mente do futebol, não seria mais convocado. O profission­alismo fez a qualidade local crescer. O meia Allan Simonsen ganhou a Bola de Ouro de melhor jogador da temporada em 1977.

A condição de time cult apareceu com a chegada do alemão Sepp Piontek, em 1979. Ele mesmo um técnico difícil de se achar. Aceitou o convite do ditador Jean-Claude Baby Doc Duvalier para dirigir a seleção do Haiti em 1976 e tinha de visitá-lo regularmen­te para falar sobre táticas. Claro que a experiênci­a não deu certo. Em parte também, ele afirma, porque os jogadores se trancavam nos quartos nas noites anteriores aos jogos para beber e praticar sessões de vodu.

Piontek os viu ficarem em estado alucinógen­o tão grande que passavam dias como zumbis. A gota d’água para ele foi quando reclamou da qualidade da comida na concentraç­ão e o cozinheiro sacou uma metralhado­ra.

Ele era o nome certo para transforma­r a seleção da Dinamarca. Era preciso saber administra­r um elenco tão talentoso quanto improvável. Michael Laudrup foi para a Copa de 1986 como o menino prodígio do time. Para o volante Xavi, do Barcelona, o dinamarquê­s é o maior jogador da história.

Seu companheir­o de ataque era Elkjaer-Larsen, campeão italiano com a Hellas Verona em 1985. Artilheiro e colunista de revista pornográfi­ca em seu país, o jogador instituiu um bordel de Copenhagen como concentraç­ão informal da equipe.

“Para muitos de nós, não era informal, não. Era a oficial mesmo”, se recorda o líbero Morten Olsen.

Foi essa a equipe que conquistou torcedores neutros na Eurocopa de 1984, na França, e no Mundial de 1986, no México, iniciou a trajetória improvável da Dinamarca em torneios internacio­nais. O time que naquele mundial foi capaz de fazer 6 a 1 no Uruguai e ser eliminado após perder por 5 a 1 para a Espanha.

A Dinamarca há muito tempo produz gente peculiar no futebol. Como Niels Bohr, nome amador de clubes locais que ficou tão frustrado por não conseguir chegar à seleção que abandonou a carreira e prometeu fazer algo para ficar marcado na história.

Ele ganhou o Prêmio Nobel de Física em 1922. Depois trabalhou no Projeto Manhattan, que inventou a bomba atômica, fundou a CERN, entidade que criaria a internet e tem um elemento da tabela periódica batizado em sua homenagem.

“Nós gostamos de contrariar o que é lógico. E também gostamos de sonhar alto”, define o atacante Mikkel Damsgaard, autor do primeiro gol na goleada sobre a Rússia que classifico­u o time para enfrentar o País de Gales neste sábado.

 ?? Wolfgang Rattay/Reuters ?? Damsgaard e Braithwait­e comemoram gol na vitória da Dinamarca contra a Rússia por 4 a 1 na Eurocopa
Wolfgang Rattay/Reuters Damsgaard e Braithwait­e comemoram gol na vitória da Dinamarca contra a Rússia por 4 a 1 na Eurocopa

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