Reforma beneficia investimentos mais arriscados
SÃO PAULO A proposta de reforma do Imposto de Renda tende a mexer na carteira do pequeno investidor brasileiro como um todo, beneficiando o risco em detrimento de uma tática de investimento mais conservadora.
Enquanto o imposto do day trade —operação arriscada de compra e venda de um ativo no mesmo pregão— é reduzido de 20% para 15%, a renda passiva proveniente de dividendos e FII (Fundos de Investimento Imobiliário), hoje isentas de IR, passaria a ser tributada na fonte em 20% e em 15%, respectivamente.
Para lucros ou dividendos destinados a beneficiários com sede em paraísos fiscais, como uma empresa no Panamá, a alíquota é de 30%.
Já o mecanismo de JCP (Juros sobre Capital Próprio), outra forma de distribuição de recursos aos acionistas, com isenção de IR para as empresas, mas com cobrança para os acionistas, seria extinto.
Além disso, o projeto acaba com o incentivo fiscal a uma manutenção de ativos de renda fixa por um prazo maior. Hoje, quanto mais cedo se faz o resgate nessa modalidade, mais imposto se paga.
Já os produtos de renda fixa isentos de IR —debêntures incentivadas, CRIs, CRAs, LCIs e LCAs— seguem beneficiados.
“A redução de impostos pode incentivar o day trade e tira incentivos de longo prazo, que são benéficos para o investidor”, diz João Daronco, analista da Suno Research.
Segundo ele, um potencial efeito da medida é o aumento de liquidez no mercado, já que o investidor seguraria por um tempo menor o ativo.
Ele pondera que, para fugir do imposto sobre a distribuição de lucro, as empresas devem fazer mais recompras de ações. Caso a companhia compre suas ações no mercado e as cancele, as ações em circulação restante corresponderão a uma fatia maior do capital e do lucro e terão direito a mais dividendos, de forma a compensar o imposto cobrado.
“O texto atual da reforma tributária, se vigorar como está, terá um impacto maior nos investimentos em ações e pode provocar uma migração massiva dos investidores para a renda fixa, que passará a ser mais vantajosa com imposto fixado nos 15%”, diz Larissa Quaresma, analista da Empiricus Research.
Além disso, a isenção com ganhos de até R$ 20 mil deixa de valer para cada mês e passa a ser trimestral, ou seja, a isenção diminui para R$ 6.66 mil por mês, proporcionalmente.
O plano também prevê redução na tributação sobre empresas, com um corte de 5 pontos percentuais na taxação de IR de pessoas jurídicas, dos atuais 15% para 10%, com um escalonamento de 2,5 pontos percentuais no primeiro ano e mais 2,5 pontos no segundo ano.
Para Vilson Antonio Romero, da área de estudos socioeconômicos da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil), a proposta é positiva, mas tímida, e seria mais produtivo uma única reforma tributária, e não projetos fatiados. “A tributação de dividendos é defendida pelos auditores fiscais há muito tempo, mas é necessário achar a dosimetria ideal de todos os impostos, um percentual adequado”, diz Romero.
Para evitar o impacto para pequenos empreendedores, o governo propôs uma isenção para até R$ 20 mil por mês para microempresas e empresas de pequeno porte (as que têm faturamento anual de até R$ 360 mil e R$ 4,8 milhões, respectivamente). Segundo Romero, a proposta beneficia uma possível falta de transparência por empresas que não são listadas em Bolsas.
Segundo o o projeto federal, dentre os países da OCDE, somente a Letônia não tributa a distribuição de lucros ou dividendos nos sócios pessoas físicas.
O projeto prevê a entrada em vigor de todas as mudanças em 1º de janeiro de 2022. Para isso, precisam ser aprovadas ainda neste ano.
Segundo analistas, ainda é cedo para avaliar o impacto das possíveis mudanças na carteira do investidor, já que a proposta pode sofrer alterações no Congresso até ser aprovada, mas ações conhecidas como boas pagadoras de dividendos e FIIs já têm apresentado queda na Bolsa.
Nesta sexta, o Índice de Fundos de Investimentos Imobiliários (Ifix) caiu 2%, e o Ibovespa, 1,7%.
Segundo Jennie Li, estrategista da XP, investidores pessoa física recebem de R$ 5.000 ao ano com dividendos. Com 20% de impostos, o volume pode cair para R$ 4.000.
Além disso, existem fundos que investem em ações que pagam altos dividendos e companhias voltadas ao investimento em outras empresas, que devem ser ainda mais afetadas. Com o IR, a rentabilidade deles pode cair, e o custo com taxas de fundos, aumentar para o pequeno investidor.
“Se esse projeto for para a frente, investidores poderão vender as ações pagadoras de dividendos e ir atrás de outros investimentos”, afirma Jennie.
Por outro lado, empresas podem escolher distribuir menos dividendos, usando os recursos como reinvestimento, o que estimularia o crescimento da companhia, gerando mais valor ao acionista.
“O efeito líquido pode ser neutro, cobrando imposto de dividendos e diminuindo o IR das empresas”, diz ela.
A Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) vê o projeto como um aumento de tributação no Brasil. A entidade representa 85% do total do valor de mercado da B3, cerca de 120 grupos negociados na Bolsa e mais de 260 empresas.
“A proposta implicará aumento de impostos e prejuízo à captação de investimentos, num momento crucial em que o país necessita atrair capital e manter sua competitividade”, afirmou a entidade em nota.