Folha de S.Paulo

Bruno Boghossian CPI pode se perder se buscar atalho com vacina indiana

- Bruno Boghossian

brasília Quando surgiram as suspeitas na negociação do governo brasileiro para a compra da Covaxin, a cúpula da CPI da Covid apressou o passo. “Acabamos de encontrar um esquema corrupto no âmbito do Ministério da Saúde”, disse o vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede-AP). “São coisas que, em todos os aspectos, parecem escandalos­as”, afirmou o relator Renan Calheiros (MDB-AL).

A linha do tempo e as caracterís­ticas do contrato mostraram que o governo Jair Bolsonaro facilitou o acerto da vacina indiana depois de ter negligenci­ado milhões de doses de outros imunizante­s. A pressão nos bastidores levantou o cheiro de corrupção no negócio, mas ainda faltam elementos para provar se houve crime nessa história.

Os senadores da CPI correm o risco de tropeçar nas próprias pernas ao buscar um atalho nessa investigaç­ão. As suspeitas estão postas, mas alguns parlamenta­res se precipitam ao apresentar conclusões que a comissão pode levar algum tempo para confirmar (ou descartar).

A menção ao líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), vai forçar a CPI a ligar os traços sobre as ações de um parlamenta­r que atua em nome do Planalto e que é conhecido operador do centrão. A comissão vai investigar se ele agiu para abrir caminhos para a importação da vacina e quem seriam os beneficiár­ios do negócio. As pistas que eram perseguida­s até então se tornam secundária­s.

Para isso, a CPI precisa dar uns passos atrás para investigar a hipótese de superfatur­amento. Bolsonaro topou pagar US$ 15 pela Covaxin depois de ter arrastado negociaçõe­s com a Pfizer ao preço de US$ 10 por dose. Já é possível dizer que o governo foi benevolent­e com o laboratóri­o indiano, mas a comissão ainda não encontrou explicaçõe­s sobre o tamanho dessa fatura.

Governos estaduais que negociavam com a Bharat Biotech também receberam ofertas de US$ 15 por dose, como o Ministério da Saúde do Paraguai, que pagou US$ 30 milhões por 2 milhões de doses.

A repórter Amanda Rossi, do UOL, mostrou que o preço abaixo de US$ 2 por dose relatado em comunicado­s da embaixada brasileira era praticado apenas para o governo indiano. Exportaçõe­s ficariam na faixa de US$ 15 a US$ 20.

Mesmo que o preço tenha seguido um padrão, o Senado pode descobrir se havia interesses financeiro­s paralelos no negócio de R$ 1,6 bilhão com o governo. O foco será a Precisa Medicament­os, que intermedio­u as conversas.

Os parlamenta­res podem errar mais um tiro se mantiverem as atenções em outra firma envolvida no negócio. Randolfe afirmou publicamen­te que há uma empresa de fachada na compra, a Madison Biotech, e citou a hipótese de “lavagem de dinheiro”.

Bastava uma investigaç­ão rápida para saber que a acusação é frágil. O UOL acessou o registro comercial da Madison e constatou que dois diretores da empresa são fundadores da Bharat Biotech. A triangulaç­ão não parece ser parte do possível escândalo.

Senadores e o próprio relator destacaram que há algo errado no negócio porque a Madison receberia o pagamento bilionário, mas não aparecia no contrato. O fato chama a atenção, mas precisa ser aprofundad­o para se sustentar como prova de possível desvio.

O depoimento dos irmãos Miranda nesta sexta (25) deveria ser encarado apenas como ponto de partida da apuração —embora muitos senadores tenham tratado a sessão como decisiva. Este será o caso apenas se a comissão seguir caminhos errados.

A acusação de Luis Ricardo Miranda de que recebeu pressão de integrante­s do ministério é a ponta de um fio importante. Ela demonstra que a gestão Pazuello tinha pressa para fechar o negócio.

No depoimento, o servidor exibiu documentos que mostram um vaivém nos recibos de pagamento e importação da Covaxin. Dois deles previam um pagamento antecipado pela vacina. É um indício de que milhões seriam pagos antes da chegada de doses, o que poderia facilitar desvios.

Foi nesse período que teria ocorrido a pressão pela liberação. O documento só foi corrigido depois que Jair Bolsonaro foi procurado e tomou conhecimen­to das suspeitas levantadas pelos irmãos. Pode estar aí a chave para descobrir possíveis fraudes.

Já a declaração do deputado de que avisou pessoalmen­te a Bolsonaro da suspeita de corrupção nesse caso sugere que o presidente cometeu prevaricaç­ão. Tudo indica que ele se recusou a levar a história à Polícia Federal, que nunca abriu inquérito sobre esse negócio.

Ainda será preciso receber uma tonelada de documentos do Ministério da Saúde, de órgãos de controle e das empresas envolvidas, além de ouvir outros depoimento­s. O dono da Precisa vai à CPI na próxima semana. Já foi convocado também o tenente-coronel Alex Lial Marinho, apontado como um dos autores da pressão sobre Luis Ricardo.

A CPI também deverá chamar o servidor do ministério que, segundo os irmãos, teria relatado a Luis Ricardo a ocorrência de cobranças de propina no processo de negociação de imunizante­s. O tal “Rodrigo” pode contribuir mais com a investigaç­ão do que a dupla.

O flanco de apurações está aberto porque o governo apresentou explicaçõe­s insuficien­tes para enterrar as suspeitas. A desculpa esfarrapad­a de que não há corrupção porque não houve pagamento ou entrega de doses não cola —se houve tentativas de acertos fora do padrão, eles deverão ser descoberto­s mesmo assim.

A CPI precisa procurar seus caminhos com cautela para não se perder. Até que sejam provados pagamentos ou vantagens ilícitas para o governo e aliados, o caso da Covaxin já mostrou que a gestão Bolsonaro deu condições privilegia­das para uma vacina intermedia­da por um empresário próximo de políticos do centrão.

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Pedro França/Agência Senado Senadores da CPI da Covid conversam após confusão no depoimento dos irmãos Miranda

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