Folha de S.Paulo

Don Curro fecha as portas e marca o fim do apogeu espanhol em SP

Mais antigo restaurant­e tipicament­e ibérico na cidade, fundado em 1958, endereço passou por disputa familiar

- Nathalia Durval

são paulo Quem faz uma busca rápida na internet pelo mais antigo restaurant­e espanhol da cidade de São Paulo, o Don Curro, encontra a informação de que ele está aberto de terça a domingo. Os clientes que vão até o endereço, na rua Oscar Freire, 439, porém, dão de cara com um imóvel em obras, sem sinal da cozinha que funcionava por ali.

A casa, na verdade, fechou as portas há cerca de dois anos, após seis décadas de funcioname­nto. Problemas na gestão, que incluíam disputas familiares e dívidas, estão por trás do encerramen­to.

O tradiciona­l endereço da velha guarda paulistana foi fundado em 1958 pelo toureiro espanhol Francisco Rios Dominguez, que se mudou para o Brasil com a esposa, Carmen Escalona García Rios. Estreou no bairro de Água Rasa, na zona leste, com o nome Marisqueri­a Playa Grande.

Em 1966, virou Don Curro, nome que o ex-toureiro usava nas arenas, e migrou para o casarão de 2.000 m² em Pinheiros que tornou o endereço célebre entre quem buscava paellas e jarras de sangria. Com as receitas de dona Carmen e a simpatia de Francisco, o restaurant­e logo ganhou fama e se tornou referência de cozinha espanhola na capital.

Mas, depois dos anos de glória, o negócio começou a perder clientela e a ter problemas financeiro­s. Nos anos 2000, ficou sob o comando de dois dos filhos do casal, José Maria e Rafael Rios. Segundo ex-funcionári­os ouvidos pela reportagem, os irmãos passaram a se desentende­r sobre a administra­ção do Don Curro.

O racha familiar terminou na separação dos sócios, em 2015. Rafael abdicou de sua parte na gestão e passou a tocar, ao lado dos filhos, outro restaurant­e —o Aragon, também de cozinha ibérica e a nove quarteirõe­s do casarão.

Na época, segundo os funcionári­os, José Maria teve problemas de saúde e transferiu a administra­ção para a filha, Sabrina Rios. Ainda em 2015, ela assumiu a operação, que passou por transforma­ções no ano seguinte. Entre elas, a venda do imóvel próprio em Pinheiros para uma incorporad­ora. A casa, no número 230 da rua Álvares Guimarães, continua desocupada e deve dar lugar a um prédio.

A cozinha se mudou então para um imóvel menor, na rua Oscar Freire, a 1,5 km dali. Para ficar mais moderninha, incluiu bar de tapas e happy hour. Também ganhou um complement­o no nome — virou Don Curro a la Sabrina.

A repaginaçã­o, porém, não cativou o público, o que ajuda a explicar o acúmulo de dívidas do restaurant­e. O impasse culminou em um processo contra Sabrina Rios, a atual proprietár­ia, movido pela Fogões Espanhóis, empresa que arrendou o espaço.

Segundo dados da ação, a empresa alegou que o aluguel, de R$ 30 mil mensais, estava atrasado e que outras taxas não haviam sido pagas entre 2017 e 2018 —a dívida total chega a R$ 1 milhão. Como resultado, o contrato foi rescindido em 2019, e Rios teve que desocupar o imóvel por decisão judicial. Procurada, a proprietár­ia não retornou os contatos da reportagem.

Além disso, entre 2015 e 2020, foram encontrado­s ao menos 30 processos trabalhist­as contra o restaurant­e. Eles envolvem, na maioria dos casos, remuneraçõ­es de funcionári­os. Em um deles, Rios chegou a afirmar em depoimento que “se viu sem condições de arcar com a totalidade dos salários e verbas rescisória­s”.

Em abril de 2019, o Don Curro fechou. Uma publicação no Instagram da casa dizia que o restaurant­e faria uma pausa e voltaria em breve. Passou a atender por delivery até dezembro daquele ano, data da última atualizaçã­o no perfil.

Ainda hoje há clientes que vão ao local, mas dão meiavolta para casa. Alguns deles recorrem a sites como Reclame Aqui e TripAdviso­r para se queixar da falta de informaçõe­s. Atualmente, o espaço está em reforma. Mas os equipament­os de cozinha dão lugar a lavatórios e secadores de cabelo —a partir de setembro, um estúdio de beleza, o Studio Lorena, passará a ocupar o ponto na Oscar Freire.

Com 400 m² e três andares, o imóvel abrigou no passado outros restaurant­es que tampouco deram certo, como o espanhol Alma Maria, fechado em 2012, e o japonês ZSan, que durou oito meses, em 2016.

Enquanto isso, o futuro do Don Curro é incerto. Fechado, ele encerra uma era de ouro dos restaurant­es espanhóis da cidade e deixa as suas paellas na memória paulistana.

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