Câmara vai votar projeto que censura pesquisas eleitorais
Proposta também esvazia cotas e dificulta punir políticos; texto deverá ser apreciado nos próximos dias, diz Lira
Um projeto de lei complementar com 372 páginas que propõe, entre outras coisas, mudar a legislação eleitoral e censurar pesquisas de intenção de voto será apreciado pela Câmara nos próximos dias. O texto, em 902 artigos, cria mecanismos que enfraquecem o sistema de cotas para mulheres e negros e esvazia as regras para candidatos e partidos.
A intenção do presidente da casa, Arthur Lira (PPAL), é submeter o material a discussão e levá-lo a voto logo depois. Há apoio entre os congressistas, muitos dos quais se beneficiariam de um afrouxamento das normas nas eleições de 2022.
Relatado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), ligada a Lira, ele substitui a lei atual com um novo código.
Uma das mudanças é exigir dos institutos de pesquisa um percentual de acertos nos cinco ciclos eleitorais anteriores —algo que especialistas criticam, já que os levantamentos retratam um momento da disputa, não a votação final.
BRASÍLIA O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pretende colocar em votação nos próximos dias um projeto de lei complementar de 372 páginas e 902 artigos com alterações na lei eleitoral, incluindo censura às pesquisas de intenção de voto.
Lira afirmou nesta terça (3) que o texto, protocolado na segunda (2), vai passar pelo crivo de deputados e por discussões. A votação chegou a ser prevista para esta quarta (4), mas não foi confirmada.
“Normalmente temos um prazo se quisermos que ele atue nas eleições do ano que vem, mas sem açodamento”, disse Lira. “Todas as discussões estão sendo feitas com o máximo de transparência.”
A proposta ainda enfraquece cotas para estímulo de participação de mulheres e negros na política, esvazia regras de fiscalização e punição a candidatos e partidos que façam mau uso de verbas públicas e tenta pôr amarras ao poder da Justiça de editar resoluções para os pleitos.
O projeto, relatado por Margarete Coelho (PP-PI), aliada de Lira, pretende revogar toda a legislação eleitoral e estabelecer um único código eleitoral. Para entrar em vigor na eleição de 2022, ele precisa ser aprovado por Câmara e Senado e sancionado pelo presidente da República até o início de outubro.
Em seus 902 artigos, o projeto estabelece censura a pesquisas eleitorais, para que elas só possam ser divulgadas até a antevéspera da eleição.
Determina ainda que institutos informem um percentual de acertos de levantamentos feitos nas últimas cinco eleições. O dispositivo é criticado por especialistas, que lembram que pesquisas retratam a realidade de um momento, não o voto dado.
A medida conta com apoio considerável no Congresso, que vem se empenhando, a cada ano pré-eleitoral, em afrouxar regras de controle e punição a partidos e candidatos.
O atual projeto, por exemplo, dá amplo poder às legendas para usar como bem entenderem as verbas do fundo partidário, que distribui a cada ano cerca de R$ 1 bilhão às legendas. Não raro, elas têm usado esses repasses para gastos de luxo.
Ao mesmo tempo, esvazia significativamente o poder de análise da Justiça Eleitoral das contas de partidos, ao delimitar a apuração das prestações de contas entregues anualmente pelas legendas.
Segundo o dispositivo, a análise deverá se restringir a verificar se as siglas receberam recursos de fontes vedadas ou de origem não identificada e se destinaram as cotas estabelecidas na lei para suas fundações e para o incentivo à participação das mulheres. O prazo para a Justiça Eleitoral analisar as contas partidárias cai de cinco para dois anos. Se isso não ocorrer, o processo pode ser extinto.
Outro ponto torna mais difícil a cassação do mandato de parlamentares por irregularidades na campanha, como a compra de votos —terá que ser provado que o candidato usou de algum meio violência para coagir o eleitor.
O transporte irregular de eleitores é descriminalizado e se torna infração cível, punida com multa de R$ 5.000 a R$ 100 mil. Além disso, o texto revoga crimes como boca de urna e comício no dia da eleição (que também passam a ser infração cível, com multa).
Um dos grandes avanços recentes, as cotas para estímulo da participação feminina e de negros na política também sofrerão reveses caso o projeto seja aprovado.
O texto estabelece que é legal candidatas repassarem verbas da cota para “pagamento de despesas comuns com candidatos do sexo masculino” e para despesas coletivas das campanhas. Não há menção sobre cota proporcional para negros.
O projeto ainda veda o banimento, o cancelamento ou a suspensão de perfil ou conta de candidato a cargo eletivo durante o período eleitoral, o que é visto como forma de blindagem para candidatos que espalham fake news. A deputada, porém, diz que a proposta não impede as plataformas de moderarem conteúdo que viole suas regras.
Entidades da sociedade civil que montaram a campanha “Freio na Reforma” divulgaram texto apontando 20 retrocessos na legislação, do ponto de vista desse coletivo.
Margarete defende as mudanças e diz que o texto “impõe instrumentos de controle e fiscalização que criam barreiras legais e uma série de constrangimentos administrativos contra mau uso do dinheiro público”.
Ela nega que o código fragilize o sistema de fiscalização de contas partidárias e engesse a função consultiva e de regulamentação do TSE —“embora ele agora tenha parâmetros mais claros sobre limites e possibilidades”.
“O papel de inovar pertence ao legislador. Ao juiz eleitoral, compete regulamentar, o que significa ir até o limite da legislação”, afirma.
Margarete descarta que o código inviabilize as possibilidades de cassação de mandatos e diz que o projeto propõe critérios para o julgador.
Sobre a restrição de divulgação de pesquisas eleitorais, a relatora afirma que os três dias que antecedem as eleições são “períodos de grande incerteza, em que o eleitorado está suscetível a fortes oscilações em favor de determinados candidatos”.
“Um erro na pesquisa durante esse período pode insuflar artificialmente uma candidatura, por isso a restrição se justifica, evitando movimentos de alta ou de queda ilusórios.”