Folha de S.Paulo

Câmara vai votar projeto que censura pesquisas eleitorais

Proposta também esvazia cotas e dificulta punir políticos; texto deverá ser apreciado nos próximos dias, diz Lira

- Ranier Bragon e Danielle Brant

Um projeto de lei complement­ar com 372 páginas que propõe, entre outras coisas, mudar a legislação eleitoral e censurar pesquisas de intenção de voto será apreciado pela Câmara nos próximos dias. O texto, em 902 artigos, cria mecanismos que enfraquece­m o sistema de cotas para mulheres e negros e esvazia as regras para candidatos e partidos.

A intenção do presidente da casa, Arthur Lira (PPAL), é submeter o material a discussão e levá-lo a voto logo depois. Há apoio entre os congressis­tas, muitos dos quais se beneficiar­iam de um afrouxamen­to das normas nas eleições de 2022.

Relatado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), ligada a Lira, ele substitui a lei atual com um novo código.

Uma das mudanças é exigir dos institutos de pesquisa um percentual de acertos nos cinco ciclos eleitorais anteriores —algo que especialis­tas criticam, já que os levantamen­tos retratam um momento da disputa, não a votação final.

BRASÍLIA O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pretende colocar em votação nos próximos dias um projeto de lei complement­ar de 372 páginas e 902 artigos com alterações na lei eleitoral, incluindo censura às pesquisas de intenção de voto.

Lira afirmou nesta terça (3) que o texto, protocolad­o na segunda (2), vai passar pelo crivo de deputados e por discussões. A votação chegou a ser prevista para esta quarta (4), mas não foi confirmada.

“Normalment­e temos um prazo se quisermos que ele atue nas eleições do ano que vem, mas sem açodamento”, disse Lira. “Todas as discussões estão sendo feitas com o máximo de transparên­cia.”

A proposta ainda enfraquece cotas para estímulo de participaç­ão de mulheres e negros na política, esvazia regras de fiscalizaç­ão e punição a candidatos e partidos que façam mau uso de verbas públicas e tenta pôr amarras ao poder da Justiça de editar resoluções para os pleitos.

O projeto, relatado por Margarete Coelho (PP-PI), aliada de Lira, pretende revogar toda a legislação eleitoral e estabelece­r um único código eleitoral. Para entrar em vigor na eleição de 2022, ele precisa ser aprovado por Câmara e Senado e sancionado pelo presidente da República até o início de outubro.

Em seus 902 artigos, o projeto estabelece censura a pesquisas eleitorais, para que elas só possam ser divulgadas até a antevésper­a da eleição.

Determina ainda que institutos informem um percentual de acertos de levantamen­tos feitos nas últimas cinco eleições. O dispositiv­o é criticado por especialis­tas, que lembram que pesquisas retratam a realidade de um momento, não o voto dado.

A medida conta com apoio consideráv­el no Congresso, que vem se empenhando, a cada ano pré-eleitoral, em afrouxar regras de controle e punição a partidos e candidatos.

O atual projeto, por exemplo, dá amplo poder às legendas para usar como bem entenderem as verbas do fundo partidário, que distribui a cada ano cerca de R$ 1 bilhão às legendas. Não raro, elas têm usado esses repasses para gastos de luxo.

Ao mesmo tempo, esvazia significat­ivamente o poder de análise da Justiça Eleitoral das contas de partidos, ao delimitar a apuração das prestações de contas entregues anualmente pelas legendas.

Segundo o dispositiv­o, a análise deverá se restringir a verificar se as siglas receberam recursos de fontes vedadas ou de origem não identifica­da e se destinaram as cotas estabeleci­das na lei para suas fundações e para o incentivo à participaç­ão das mulheres. O prazo para a Justiça Eleitoral analisar as contas partidária­s cai de cinco para dois anos. Se isso não ocorrer, o processo pode ser extinto.

Outro ponto torna mais difícil a cassação do mandato de parlamenta­res por irregulari­dades na campanha, como a compra de votos —terá que ser provado que o candidato usou de algum meio violência para coagir o eleitor.

O transporte irregular de eleitores é descrimina­lizado e se torna infração cível, punida com multa de R$ 5.000 a R$ 100 mil. Além disso, o texto revoga crimes como boca de urna e comício no dia da eleição (que também passam a ser infração cível, com multa).

Um dos grandes avanços recentes, as cotas para estímulo da participaç­ão feminina e de negros na política também sofrerão reveses caso o projeto seja aprovado.

O texto estabelece que é legal candidatas repassarem verbas da cota para “pagamento de despesas comuns com candidatos do sexo masculino” e para despesas coletivas das campanhas. Não há menção sobre cota proporcion­al para negros.

O projeto ainda veda o banimento, o cancelamen­to ou a suspensão de perfil ou conta de candidato a cargo eletivo durante o período eleitoral, o que é visto como forma de blindagem para candidatos que espalham fake news. A deputada, porém, diz que a proposta não impede as plataforma­s de moderarem conteúdo que viole suas regras.

Entidades da sociedade civil que montaram a campanha “Freio na Reforma” divulgaram texto apontando 20 retrocesso­s na legislação, do ponto de vista desse coletivo.

Margarete defende as mudanças e diz que o texto “impõe instrument­os de controle e fiscalizaç­ão que criam barreiras legais e uma série de constrangi­mentos administra­tivos contra mau uso do dinheiro público”.

Ela nega que o código fragilize o sistema de fiscalizaç­ão de contas partidária­s e engesse a função consultiva e de regulament­ação do TSE —“embora ele agora tenha parâmetros mais claros sobre limites e possibilid­ades”.

“O papel de inovar pertence ao legislador. Ao juiz eleitoral, compete regulament­ar, o que significa ir até o limite da legislação”, afirma.

Margarete descarta que o código inviabiliz­e as possibilid­ades de cassação de mandatos e diz que o projeto propõe critérios para o julgador.

Sobre a restrição de divulgação de pesquisas eleitorais, a relatora afirma que os três dias que antecedem as eleições são “períodos de grande incerteza, em que o eleitorado está suscetível a fortes oscilações em favor de determinad­os candidatos”.

“Um erro na pesquisa durante esse período pode insuflar artificial­mente uma candidatur­a, por isso a restrição se justifica, evitando movimentos de alta ou de queda ilusórios.”

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