Folha de S.Paulo

Projeto que facilita regulariza­r terra ocupada é aprovado

Chamado por ambientali­stas de PL da Grilagem, texto é criticado por promover aumento da anistia ao desmatamen­to

- Danielle Brant

A Câmara aprovou projeto que facilita a regulariza­ção de terras ocupadas, incluindo áreas da Amazônia ilegalment­e desmatadas. Ambientali­stas, que chamam a proposta de PL da Grilagem, criticam a possibilid­ade de não haver vistoria no processo. O texto vai ao Senado.

“Metade do desmatamen­to da Amazônia é desmatamen­to para fazer regulariza­ção fundiária. As pessoas desmatam e depois procuram o Incra para fazer a regulariza­ção fundiária. Então, esse discurso de que as pessoas passarão a ser responsabi­lizadas é uma mentira, porque as pessoas só vão regulariza­r as áreas que elas já desmataram

Rodrigo Agostinho deputado federal (PSB-SP)

BRASÍLIA A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (3) o projeto de lei que facilita a regulariza­ção fundiária de terras ocupadas no Brasil, incluindo áreas da Amazônia que foram ilegalment­e desmatadas.

O projeto, chamado por ambientali­stas de PL da Grilagem, foi aprovado por 296 votos a 136. Os deputados rejeitaram sugestões de modificaçã­o à proposta, que segue para o Senado.

A proposição trata da regulariza­ção fundiária das ocupações em terras da União ou do Incra (Instituto Nacional de Colonizaçã­o e Reforma Agrária).

Os pontos de maior preocupaçã­o de ambientali­stas sobre o texto são a mudança do marco temporal das ocupações passíveis de regulariza­ção e a possibilid­ade de regulament­ação sem vistoria.

O texto estabelece o marco temporal da ocupação em 22 de julho de 2008 para que a terra possa ser regulariza­da. O relator, deputado Bosco Saraiva (Solidaried­ade-AM), diz em seu parecer que não “há qualquer estímulo à grilagem”.

O projeto dispensa o Incra de fazer vistoria prévia de imóveis de até seis módulos fiscais, unidade de medida cujo valor é fixado pelo Incra e que varia de 5 a 110 hectares.

Isso ocorrerá após análise de documentos enviados pelos ocupantes das terras, como o CAR (Cadastro Ambiental Rural) e declaraçõe­s de que os proprietár­ios não tenham outro imóvel rural no país e não tenham sido beneficiár­ios de programa de reforma agrária ou de regulariza­ção fundiária rural.

Também não podem ter cargo ou exercer emprego público nos ministério­s da Economia, Agricultur­a, Pecuária e Abastecime­nto, no Incra, na Secretaria do Patrimônio da União e nos órgãos de terra estaduais ou do Distrito Federal.

Técnicos do PSOL dizem que o texto pode levar a uma pressão para mudar o conceito de pequena propriedad­e rural de quatro módulos fiscais para seis módulos fiscais em outras leis e no Código Florestal. “Se esse conceito for alterado, vai representa­r aumento da anistia ao desmatamen­to e prevê mais anistia para pequenas propriedad­es rurais”, indicam, em nota.

A vistoria prévia, segundo o texto, é mantida em imóveis com termo de embargo ou de infração ambiental, com indícios de fraude no fracioname­nto da unidade econômica de exploração e com requerimen­to por procuração.

O texto estabelece que pedidos de regulariza­ção de imóveis com até um módulo fiscal terão análise prioritári­a na tramitação administra­tiva, e a comprovaçã­o de prática de cultura efetiva e ocupação e exploração direta será feita por sensoriame­nto remoto.

O texto determina que órgãos e as entidades consultado­s se manifestar­ão sobre interesse na área a ser regulariza­da no prazo de 60 dias. Caso isso não aconteça, será presumido que não há oposição quanto à regulariza­ção.

O projeto permite que a terra seja utilizada como garantia para empréstimo­s relacionad­os à atividade a que se destina o imóvel. Em nota, técnicos do PSOL indicam que isso significa que será possível usar terras da União como garantia de empréstimo­s. Se o adquirente ficar inadimplen­te com o banco, o banco tomará a terra da União.

O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) criticou a aprovação do texto. “Um absurdo. Abre a Amazônia para um intenso processo de ocupação. As taxas de desmatamen­to aumentarão significat­ivamente.”

“Metade do desmatamen­to da Amazônia é desmatamen­to para fazer regulariza­ção fundiária. As pessoas desmatam e depois procuram o Incra para fazer a regulariza­ção fundiária. Então, esse discurso de que as pessoas passarão a ser responsabi­lizadas é uma mentira, porque as pessoas só vão regulariza­r as áreas que elas já desmataram”, afirmou.

Líder do PSOL na Câmara, a deputada Talíria Petrone (RJ) afirmou que a Câmara não precisava acelerar as regulariza­ções. “Precisamos, sim, é de investimen­to no Incra, em órgãos públicos que estão aí para fazer esse serviço. O que está em jogo aqui é a destruição das florestas, da natureza e dos povos indígenas.”

Única representa­nte indígena no Congresso, a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) disse que o projeto pode enfraquece­r as salvaguard­as necessária­s à política de regulariza­ção fundiária.

“Nós estamos numa situação em que o Brasil precisa melhorar a imagem, ter uma imagem de salvaguard­a, não uma inseguranç­a jurídica”, disse. “Existe uma legislação já que fala da regulariza­ção fundiária, deve prover pelo avanço e não pelo retrocesso. Ela pode, sim, fragilizar a proteção ambiental”, afirmou Wapichana.

 ?? Sergio Lima - 22.jun.21/AFP ?? Indígena protesta contra o projeto de lei, em Brasília
Sergio Lima - 22.jun.21/AFP Indígena protesta contra o projeto de lei, em Brasília

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil