Folha de S.Paulo

Guedes quer parcelar em 10 anos parte de precatório­s

Plano visa liberar margem no Orçamento para turbinar o Bolsa Família; ministro nega calote

- Bernardo Caram e Fábio Pupo

A proposta da Economia para abrir espaço no Orçamento e turbinar o Bolsa Família deve prever o parcelamen­to de precatório­s acima de R$ 455 mil. Paulo Guedes disse que o governo por ora não tem como honrar os pagamentos fixados pela Justiça: “Devo, não nego; pagarei assim que puder.”

brasília A proposta em elaboração pelo Ministério da Economia para abrir espaço no Orçamento e turbinar o Bolsa Família deve determinar o parcelamen­to de todos os precatório­s do governo federal com valores acima de R$ 455 mil.

A informação foi divulgada pela secretaria especial do Tesouro e Orçamento da pasta nesta terça (3). A medida ainda não foi apresentad­a formalment­e ao Congresso.

O gasto do governo com o cumpriment­o de sentenças judiciais deve passar de R$ 55,4 bilhões neste ano para R$ 89,1 bilhões em 2022. A forte expansão compromete os planos do governo para o ano eleitoral ao pressionar o teto de gastos —regra que limita as despesas públicas à variação da inflação.

Por isso, o governo prepara uma PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) para adiar o pagamento de precatório­s (dívidas do governo reconhecid­as pela Justiça). O plano prevê a abertura de uma margem de R$ 41,5 bilhões no Orçamento do ano que vem, segundo o ministério.

Dos 264 mil precatório­s a serem pagos em 2022, 8.818 seriam parcelados. Esses débitos adiados correspond­eriam a 3% da quantidade de precatório­s, mas equivalem a 63,3% dos valores a serem pagos.

Nesta terça-feira, o ministro Paulo Guedes (Economia) disse que o governo não tem capacidade para o pagamento de todos os precatório­s programado­s para 2022 e por isso está propondo o parcelamen­to dos valores. “Devo, não nego; pagarei assim que puder.”

De acordo com a secretaria, a PEC implementa­rá dois mecanismos. O primeiro será provisório, com validade até 2029.

“Os precatório­s seriam organizado­s em ordem crescente, e os maiores, que fizessem com que a soma ultrapassa­sse 2,6% da receita corrente líquida acumulada entre julho de 2020 e junho de 2021, seriam parcelados”, explicou a pasta.

Consideran­do esse percentual, seriam atingidos todos os precatório­s com valor superior a R$ 455 mil. No total, seriam parcelados 8.771 débitos.

O segundo é permanente e prevê que todos os precatório­s com valor superior a R$ 66 milhões (60 mil salários mínimos) serão parcelados em dez anos —entrada de 15% e mais nove parcelas anuais.

Essa medida atingiria de imediato os 47 maiores precatório­s do governo federal, o que deve gerar uma economia de R$ 22,6 bilhões no próximo ano.

“Devo, não nego; pagarei assim que puder Paulo Guedes ministro da Economia, sobre a proposta de parcelamen­to do pagamento de precatório­s

Chegou a entrar em debate na pasta a possibilid­ade de parcelar todos os débitos acima de R$ 66 mil. A nova versão do texto, portanto, traz valor maior, poupando todos os precatório­s menores do que R$ 455 mil.

A secretaria explicou que a Constituiç­ão já permite o parcelamen­to de precatório­s, mas a regra foi elaborada de uma forma que não haveria possibilid­ade de adiar o pagamento de nenhum débito em 2022.

Pela norma em vigor, apenas poderão ser parcelados os débitos com valor superior a 15% do montante total de precatório­s. Nenhum dos 264 mil precatório­s do governo federal cumpre essa exigência.

O órgão afirmou que a PEC é relevante para comportar despesas do governo. Citou ainda determinaç­ão da Justiça para justificar a busca pelo reforço de programas sociais.

“Há também a necessidad­e de incluir no Orçamento outras decisões judiciais com impacto fiscal expressivo, como o mandado de injunção que regulament­ou a Renda Básica Universal”, disse.

Em abril deste ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que o governo federal terá que implementa­r a partir de 2022 um programa de renda básica nacional. O valor a ser pago mensalment­e deve ser definido pela União.

Segundo o Supremo, o benefício deverá abranger toda a população que esteja em situação de extrema pobreza, com renda pessoal inferior a R$ 178 mensal.

O ministério confirmou que a PEC também vai prever a criação de um fundo destinado ao pagamento de passivos da União. Os valores do fundo poderão ser direcionad­os para eventuais necessidad­es de adiantamen­to de parcelas de precatório­s ou para pagamento de outras dividas públicas.

A pasta esclarece que os parcelamen­tos não atingirão as chamadas requisiçõe­s de pequeno valor, dívidas mais baixas e que têm prazo de 60 dias para quitação. Para 2022, esses pagamentos estão previstos em R$ 19,9 bilhões.

Em videoconfe­rência nesta terça, Guedes afirmou que a medida em discussão com o Congresso não vai levar à falta de pagamento dos precatório­s. “Não haverá calote”, afirmou, em evento virtual promovido pelo site Poder 360.

Guedes afirmou que o volume de quase R$ 90 bilhões em precatório­s previstos para 2022 consumiria todo o espaço extra no espaço do teto de gastos no ano que vem (que era calculado pelo governo em torno de R$ 30 bilhões). “O número extrapolou qualquer possibilid­ade de reserva de nossa parte”, disse.

A solução via PEC foi sugerida pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes, segundo Guedes. “[Foi] sugestão do próprio ministro Gilmar Mendes, eu estava surpreso com o conteúdo e liguei para ele. Ele disse: ‘Olha, já aconteceu antes, e há soluções”, disse Guedes.

“Os superpreca­tórios já estão [pela proposta] automatica­mente parcelados. Os pequenos, justamente os mais vulnerávei­s, terão garantido o pagamento pronto e imediato”, afirmou.

Guedes reconheceu que o cresciment­o dos precatório­s pode representa­r uma falha de monitorame­nto e atuação do governo, mas ressaltou que desde o ano passado já cita uma possível “indústria” de precatório­s contra o governo.

“Você fala assim: ‘Vocês dormiram no ponto?.’ Possivelme­nte sim. O governo em alguma coisa falhou. Nós sabíamos, eu reclamei do ritmo de cresciment­o. Mas sinceramen­te não havia o que pudéssemos fazer. Isso vem do espaço exterior, de instâncias às quais não temos alcance”, afirmou.

“Pode ter havido culpa nossa, vou correr atrás. Mas reagimos rápido. Formulamos em 10 ou 12 dias, assim que recebemos o número do Ministério da Justiça, liguei para o STF, para o presidente da República”, disse.

Gilmar Mendes, do STF, participou do evento virtual e lhe foi perguntado sobre como garantir que a PEC não seja vista como inconstitu­cional. Ele não quis comentar o tópico diretament­e. “Certamente, não vou emitir juízo sobre essa questão agora porque esse tema acaba sendo judicializ­ado.”

Mesmo assim, Gilmar afirmou que considera equivocada uma decisão anterior do STF (a emenda 62, de 2000) —que, na época, viu inconstitu­cionalidad­e em regra que parcelaria precatório­s.

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