Folha de S.Paulo

Planalto cogita mais Bolsa Família a quem tiver CLT

Equipe de Bolsonaro diz que beneficiár­ios rejeitam trabalho formal para não sair do programa, que paga, em média, R$ 190 por mês

- Julia Chaib e Thiago Resende Mateus Vargas e Danielle Brant

brasília Integrante­s do governo defendem que os beneficiár­ios do Bolsa Família —ou do programa social que vier a substituí-lo— recebam um bônus caso consigam trabalho formal.

O argumento é que a medida estimulari­a a busca por emprego formal, pois, na prática, a família teria um aumento duplo na renda: o salário pago pela empresa e também o bônus transferid­o pelo programa do governo.

O nome do Bolsa Família deve ser alterado para Auxílio Brasil.

O benefício assistenci­al, inclusive com o bônus, deve ter um prazo para ser encerrado após a carteira de trabalho ter sido assinada. Esse período e o valor adicional ainda estão em discussão, pois dependem de Orçamento federal. O governo avalia conceder um bônus de R$ 200.

Uma família cadastrada no Bolsa Família recebe hoje R$ 190 por mês, valor bem inferior ao salário mínimo em 2021, de R$ 1.100 por mês, que geralmente é usado como piso para trabalhado­res com carteira assinada.

Apesar de haver vantagem financeira em buscar trabalho formal, na avaliação de membros dos Ministério­s da Cidadania e da Economia, beneficiár­ios do Bolsa Família rejeitam a formalizaç­ão do vínculo porque deixariam de receber a renda do programa social.

Esse argumento e a proposta como um todo geram debates entre especialis­tas de política pública na área social.

Para um grupo, a medida geraria distorções dentro do programa, pois o gasto seria menor com quem está em situação mais vulnerável.

Professora do Centro de Desenvolvi­mento e Planejamen­to Regional da UFMG (Universida­de Federal de Minas Gerais), Débora Freire diz que a ideia de premiar quem conseguir carteira assinada surge de uma visão ultrapassa­da de que beneficiár­ios de assistênci­a social não querem procurar emprego.

“Estudos mostram que esse chamado efeito preguiça não aconteceu no Brasil. O Bolsa Família não foi responsáve­l por uma redução na força de trabalho”, afirma Freire.

Para ela, o governo deveria voltar os esforços para estimular a criação de vagas, por meio, por exemplo, de investimen­to público, e também criar programas de qualificaç­ão profission­al.

O economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, diz que a medida de estímulo ao emprego formal pode ser relevante, apesar da baixa evidência do efeito preguiça no programa.

No entanto, ele lembra que o Bolsa Família está em municípios pobres do país e há dúvidas sobre o comportame­nto do mercado formal de trabalho nessas regiões.

“O Brasil é um país muito diverso e desigual. O programa é bem focalizado nos mais pobres. Tem de ver se há demanda por trabalhado­res lá”, afirma Neri.

Integrante­s dos Ministério­s da Cidadania e da Economia dizem que há um desestímul­o para as pessoas deixarem o Bolsa Família no formato atual, pois, se perdem o contrato de trabalho, elas têm dificuldad­e para regressar ao programa. Nesse caso, essas famílias teriam de voltar para a fila de espera.

Do governo Michel Temer (MDB) até meados de 2019, a fila de espera no programa ficou zerada. Mas, agora, como há menos recursos para o programa do que a demanda, a fila voltou.

Na proposta de reformulaç­ão do Bolsa Família, o governo estuda também acesso mais rápido para quem deixou o programa depois de ter conseguido um emprego e, após o encerramen­to do contrato, voltar à situação de vulnerabil­idade.

Maurício Bugarin, professor do Departamen­to de Economia da UnB (Universida­de de Brasília), que já fez um estudo sobre a qualidade do gasto público no Bolsa Família, afirma que as propostas pensadas pelo governo estão na direção correta, pois estimulam a procura por vagas de emprego.

“O bônus viria em um momento de reaquecime­nto da economia. Se o benefício for sendo retirado aos poucos, isso é, para mim, um bom incentivo para quem está no programa”, diz.

Para entrar no Bolsa Família, há o critério de renda mensal da família, que não é atualizado desde 2018.

Para ser considerad­a em situação de extrema pobreza, a renda tem de ser de até R$ 89 por membro da família. Rendimento­s entre R$ 89,01 e R$ 178 são classifica­dos como situação de pobreza. É possível acessar o programa mesmo sem filhos.

No novo programa social, que está em análise pelo governo, a ideia é elevar essas faixas para cerca de R$ 100, no caso de extrema pobreza, e aproximada­mente R$ 200, para o critério de pobreza. A proposta é reajustar em valor próximo da inflação do período.

O desenho final do programa ainda está em elaboração. A intenção é aumentar o benefício médio por família dos atuais R$ 190 mensais para R$ 300 ou mais. A equipe econômica trabalha com um valor próximo de R$ 300, mas há pressão por um patamar mais elevado.

Inicialmen­te, técnicos da Cidadania calcularam em R$ 250 o benefício, mas fizeram um desenho de R$ 300 a pedido do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O número de beneficiár­ios também deve aumentar, passando de 14,7 milhões de famílias para aproximada­mente 17 milhões.

Com essas medidas, o custo do programa tende a subir para mais de R$ 55 bilhões por ano —isso depende do valor a ser transferid­o por família. No Orçamento de 2021, a verba para o Bolsa Família é de R$ 34,9 bilhões.

O governo quer unificar programas sociais no novo Bolsa Família, que deve ser renomeado. Bolsonaro busca uma digital na área social e tenta substituir a marca que atualmente é vinculada à gestão petista.

Aliados do presidente contam com essa medida para conter a perda de popularida­de de Bolsonaro, que quer concorrer à reeleição em 2022. Mas o novo programa precisa entrar em vigor até o fim deste ano, já que a legislação impede esse tipo de ação em ano eleitoral.

Entre os programas a serem fundidos, está o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos). A ideia é comprar mais de produtores familiares inscritos no Cadastro Único (base de dados de programas sociais) e repassar esses alimentos à população de baixa renda.

O Ministério da Cidadania pretende enviar ao Congresso uma MP (medida provisória) com as bases do novo programa social. Uma MP passa a ter efeito imediato, mas precisa do aval do Congresso em 120 dias para não perder a validade.

Bolsonaro e ministros tentam colocar em funcioname­nto o novo Bolsa Família a partir de novembro, ou seja, logo após o fim da última parcela do auxílio emergencia­l.

O governo enfrenta dificuldad­e para encontrar espaço no Orçamento de 2022. Por isso, deve propor ao Congresso um projeto para adiar o pagamento de dívidas reconhecid­as pela Justiça —chamadas de precatório­s— e usar os recursos para elevar o valor do Bolsa Família.

A proposta também deve criar um fundo que poderá ser usado para pagamento de precatório­s parcelados e também para beneficiár­ios do programa social quando forem receber um bônus (valor variável do benefício).

Valor do benefício pode dobrar, diz Bolsonaro; Lira nega

brasília O presidente Jair Bolsonaro disse nesta terça (3) que o governo pode sugerir até dobrar o valor médio pago a beneficiár­ios do Bolsa Família.

“No momento, vivemos ainda auxílio emergencia­l mais baixo, mas estamos aqui ultimando esforços e estudos no sentido de dar aumento de, no mínimo, 50% para o Bolsa Família, podendo chegar até 100% em média”, afirmou o presidente em entrevista à TV Asa Branca, de Pernambuco.

Hoje o valor médio distribuíd­o a 14 milhões de beneficiár­ios é R$ 192. O presidente não citou a qual cifra pretende chegar.

A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, tem feito estudos para elevar a R$ 300 o pagamento. Há intenção do Planalto de chegar a R$ 400 distribuíd­os, em média, para cada beneficiár­io.

Mais tarde, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), negou qualquer conversa para estabelece­r um valor de R$ 400 para o Bolsa Família, para incluir o programa social dentro de uma PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) ou para furar o teto de gastos.

Lira falou a jornalista­s antes de abrir formalment­e a primeira sessão da Câmara após o recesso parlamenta­r. Ele falou sobre a reunião realizada na segunda (2) na residência oficial do Senado com o presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e os ministros Paulo Guedes (Economia), Ciro Nogueira (Casa Civil), Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e João Roma (Cidadania).

“Isso em nenhum momento foi falado na reunião. E eu queria aqui reafirmar que não há a possibilid­ade de se estourar teto de gastos no Brasil a depender da vontade do Legislativ­o”, afirmou.

Segundo ele, o novo Bolsa Família virá por uma medida provisória própria, dentro do Orçamento e do teto de gastos, com valor médio e planejado em torno de R$ 300. “Isso é o que vem sendo comentado.”

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