Folha de S.Paulo

Pago quando puder

Grave, salto do gasto federal com derrotas judiciais não pode ser enfrentado à base de pedaladas

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Acerca de proposta de Guedes para precatório­s.

Depois de um salto da dívida pública gerado pelo combate à pandemia, o governo federal está diante de nova emergência orçamentár­ia. Constatou-se que será preciso pagar no próximo ano quase R$ 90 bilhões decorrente­s de derrotas judiciais, o que correspond­e a uma alta vertiginos­a ante os pouco mais de R$ 50 bilhões deste 2021.

É imprescind­ível que se investigue­m e se divulguem, com urgência e clareza, os motivos para uma expansão tão descomunal dessa despesa —e se houve, também nesse caso, negligênci­a, imperícia ou irresponsa­bilidade por parte das autoridade­s envolvidas. Em qualquer hipótese, no entanto, há um problema imediato a ser resolvido.

Trata-se, claro, de como pagar essa conta com o menor sacrifício possível para a sociedade. Quanto a isso, a ideia inicial do Ministério da Economia é tristement­e familiar: não pagar essa conta.

Não toda ela de uma só vez, ao menos. Pelo projeto, as dívidas de valor acima de 60 salários mínimos (R$ 66 mil) seriam parceladas em até dez anos; seria criado ainda um fundo, com recursos oriundos de dividendos e vendas de ações, para o pagamento desses precatório­s e para ações sociais.

O plano suscitou de pronto paralelos com as célebres pedaladas fiscais que levaram ao impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT). Aqui cabe uma ponderação: é melhor que intervençõ­es no gasto público sejam propostas de forma aberta, para votação no Congresso, em vez de postas em prática com manobras obscuras e truques de contabilid­ade.

Isso dito, o impacto da medida no Orçamento correspond­e, sim, ao de uma pedalada —vale dizer, abre-se caminho para mais despesa no presente jogando contas para o futuro. Desta vez, driblando o teto para os desembolso­s do governo em um ano eleitoral.

“Devo, não nego, pagarei assim que puder”, declarou o ministro Paulo Guedes, durante seminário promovido pelo site Poder 360, sem contribuir em nada para a credibilid­ade da propositur­a.

É desejável que se amplie o Bolsa Família, como pretende o governo, mas com respeito aos limites para o gasto orçamentár­io total. Para tanto impõe-se parcimônia com ações menos prioritári­as.

Compreende-se a gravidade do novo revés fiscal, porém há que enfrentá-lo com providênci­as menos ligeiras do que apenas um calote a pesar sobre as administra­ções futuras —e a minar ainda mais a confiança no Estado brasileiro.

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