Folha de S.Paulo

ANA MARCELA É OURO NA MARATONA AQUÁTICA

Com ouro na maratona aquática, Ana Marcela Cunha supera frustraçõe­s anteriores e coroa enxurrada de medalhas do Brasil em 24 horas

- Carlos Petrocilo

Nadadora baiana supera frustraçõe­s em Pequim-2008 e no Rio-2016 para chegar ao topo do pódio no Japão

tóquio Ana Marcela Cunha, 29, chegou aos Jogos de Tóquio com uma coleção de títulos e frustraçõe­s olímpicas. Eleita seis vezes a melhor atleta do mundo em maratona aquática, a baiana acumula 12 pódios em mundiais, mas não conseguia repetir o desempenho em Jogos. Foi assim em Pequim-2008 e no Rio-2016.

Ela então olhou para Tóquio como se fosse a última oportunida­de. Nesta terça (3), a nadadora enfim quebrou a escrita ao conquistar a medalha de ouro nas águas do parque marinho Odaiba. Sob sol forte, numa prova que começou às 6h30, no horário do Japão, nadou o tempo todo no pelotão de frente.

Logo na saída, assumiu a liderança, mas viu a americana Ashley Twichell passar à frente na segunda das sete voltas da prova. Pior: a adversária apresentav­a frequência de braçadas superior à da brasileira, 46 por minuto, ante 37. Após Twichell optar pela hidratação, o que a fez perder o ritmo acelerado, no entanto, Ana Marcela retomou a ponta e completou a primeira metade da prova na liderança. O cenário só mudaria na quinta volta, quando a alemã Leonie Beck ultrapasso­u tanto a nadadora baiana quanto a americana.

Quando faltavam menos de 2 km para o fim da competição, Ana Marcela tomou a liderança, e a disputa foi corpo a corpo até o final, com uma chegada emocionant­e. A batida para garantir o ouro, com margem mínima, espelhou o apelido pelo qual é conhecida: pit bull. “Finalmente. Querendo ou não, era um quarto ciclo olímpico. Teve Pequim, uma não classifica­ção, uma frustração no Rio e um amadurecim­ento muito grande para chegar até aqui”, disse a nadadora após a vitória.

“Me diverti, fiz o que queria do início ao fim”, festejou Ana Marcela ao SporTV, já exibindo os cabelos pintados nas cores verde e amarelo. Ela cumpriu o percurso de 10 km em 1h59min30s­8, à frente da holandesa Sharon van Rouwendaal, com 1h59m31s7, e da australian­a Kareena Lee, 1h59m32s5.

No pódio, ao som do hino brasileiro, a nadadora, que é terceiro-sargento do Exército, prestou continênci­a, repetindo gesto feito por Alison dos Santos, bronze nos 400 metros com barreiras horas antes. Em maio, quando atletas olímpicos foram vacinados, em ato promovido pelo governo, Ana Marcela foi a primeira a receber a aplicação do imunizante por meio das mãos do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.

Com a conquista da nadadora, a delegação brasileira ganhou cinco medalhas em 24 horas. Ao triunfo nas águas se somaram outro ouro, da vela, de Martine Grael e Kahena Kunze e os bronzes de Alison, Thiago Braz no salto com vara e Abner Teixeira no boxe. Agora, o Brasil tem 15 medalhas em Tóquio e se aproxima das 19 medalhas da Rio-2016, recorde nacional de pódios em Jogos.

A conquista da medalha olímpica de Ana Marcela coroa uma trajetória que começou cedo. Aos 16 anos, nos Jogos de Pequim-2008, permaneceu boa parte da competição entre as líderes, mas nos últimos 1.000 metros adotou uma estratégia da qual se arrependeu. Terminou em quinto lugar.

Depois, não obteve índice para Londres-2012 —perdeu a vaga por três segundos no qualificat­ório.

Na Rio-2016, Ana Marcela figurava entre as favoritas, já que, assim como em Tóquio, chegou à disputa após ter sido campeã mundial no ano anterior. No entanto, acabou na décima colocação. Diante da torcida carioca, deixou a prova chorando, enquanto a brasileira Poliana Okimoto conquistav­a um bronze inédito.

Para as Olimpíadas de Tóquio, a atleta e o técnico Fernando Possenti mudaram a estratégia de treinos e até de cidade: trocou Santos (SP) pelo Rio de Janeiro. Lá, instalouse em um apartament­o com vista para o centro aquático Maria Lenk, no qual funciona o laboratóri­o do Comitê Olímpico do Brasil.

Possenti e Ana Marcela também reavaliara­m o calendário de provas e abriram mão de competiçõe­s para que ela chegasse mais disposta e menos visada às águas da capital japonesa em busca da tão desejada medalha olímpica. “A Ana competia muito. Em 2018, nadou 18 provas em 12 meses”, diz o treinador.

Na reta final de preparação, foram ao Centro de Alto Rendimento de Sierra Nevada, no sul da Espanha. Localizada a 2.320 metros acima do mar, o local tem um dos centros de treinament­os mais concorrido­s do mundo. Quando deixou a prova no Rio, Ana Marcela colocou na cabeça que a última oportunida­de provavelme­nte seria no Japão. “Sei que minha vida útil [como atleta] estará chegando ao fim.”

Em entrevista ao SporTV após a prova, Ana Marcela agradeceu aos pais, à namorada, ao clube e ao treinador, além dos nadadores Fernando Scheffer e Bruno Fratus, também medalhista­s em Tóquio. “Todos os brasileiro­s que ganharam medalha até agora foram um incentivo grande, principalm­ente o Scheffer e o Bruno, por serem da natação. É aquela coisa: uma raia, uma chance. Aqui foi uma raia, uma chance.”

 ?? LeonhardFo­eger/Reuters ?? Disputaque­deuouroàna­dadorafoic­orpoacorpo,comchegada­emocionant­e
LeonhardFo­eger/Reuters Disputaque­deuouroàna­dadorafoic­orpoacorpo,comchegada­emocionant­e
 ?? Leonhard Foeger/Reuters ?? 2020
Ana Marcela Cunha durante a prova os 10 km da maratona aquática
Leonhard Foeger/Reuters 2020 Ana Marcela Cunha durante a prova os 10 km da maratona aquática

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil