Folha de S.Paulo

Atleta do salto com vara sonhou com bronze e diz que pensou em parar

Medalhista de novo, atleta do salto com vara conviveu com lesões, falta de patrocínio e demissão após ouro no Rio

- Alex Sabino

são paulo Thiago Braz, 27, sobre a conquista da segunda medalha olímpica da carreira: “É, foi legal hoje”.

Medalhista de ouro na Rio2016 no salto em altura e agora dono do bronze em Tóquio-2020, o brasileiro não é de reações entusiasma­das. A carreira sempre teve altos e baixos, como ele fez questão de repetir cinco vezes após marcar 5,87 m no estádio Olímpico na manhã desta terça (3).

O resultado há cinco anos poderia ter transforma­do Braz em astro no país, uma figura além do esporte. Não aconteceu. Desta vez, ele sabe o que esperar após obter um feito que o Brasil não tinha em disputas individuai­s no atletismo desde Joaquim Cruz, ouro em Los Angeles-1984 e prata em Seul-1988 nos 800 m.

O maior medo do saltador era não passar pela etapa qualificat­ória, em uma manhã japonesa de muito calor e durante a qual sentiu câimbras. A final, à noite, já com temperatur­a amena, foi tranquila. Ele até havia sonhado com a medalha de bronze. “Há dois dias sonhei que tinha voltado para o apartament­o [na Vila Olímpica] e, quando entrei no quarto, estava com o bronze no peito. Eu olhava e achava que era ouro, mas era bronze. Fiquei bravo”, disse ele, para em seguida dar uma rara risada.

Viver um momento incomum como esse, de ter dois pódios olímpicos, poderia fazer com que Braz acertasse algumas contas em público, como o ostracismo no qual caiu e o fato de ser o único atleta da seleção brasileira de atletismo sem clube. Ou, ainda, a falta de apoio que até um campeão olímpico sofre.

Não fez nada disso. Sereno, com o mesmo tom de voz póselimina­tória, quando a medalha não tinha sequer aparecido em seus sonhos, citou as frustraçõe­s dos últimos anos, mas sem apontar culpados. Confessa que chegou a pensar em parar com o esporte, mas não entrou em detalhes. Não era o momento.

“Acho que todo atleta vive uma situação assim na carreira e pensa em parar”, desconvers­ou. “É difícil ter pessoas ao seu lado quando as coisas não estão indo bem. Eu desejo que outros atletas não passem por isso. Não foi nada legal. O incentivo deveria vir em primeiro lugar, não os cortes.”

Era uma cutucada no Pinheiros, clube que o dispensou no início da pandemia, em abril de 2020? Ele preferiu não dizer. Se a analogia fosse com o futebol, Braz seria o jogador de partidas grandes. Entre 15 de agosto de 2016, quando conquistou o ouro, e 3 de agosto de 2021, quando ganhou o bronze, seus resultados foram discretos. Não participou do Mundial em 2017. Foi eliminado cedo no de 2019.

Após o ouro em 2016, ele também passou a ser agenciado pela empresa do pai de Neymar, atacante do Paris Saint-Germain. Mesmo assim, pouco apareceu em ações de marketing ou nas redes sociais.

Mas, quando as Olimpíadas aparecem pela frente, o brasileiro parece se transforma­r. Se tem altos e baixos, como gosta de repetir, isso não se aplica aos Jogos. “Não consigo te explicar 100% [o motivo]. Tem um cara lá em cima que me ama e me ajuda a romper limites. Queria ter vencido todas as outras [competiçõe­s], mas sempre acontecia algo. Mas eu amadureci. Este ano foi muito constante para mim.”

Apesar do pódio, o saltador acha que o resultado poderia ter sido ainda melhor. Chegou perto de superar a marca de 5,92 m, mas derrubou o sarrafo. Vê no horizonte a possibilid­ade de quebrar a barreira dos 6 m. Foi o que fez na final no Engenhão em 2016, quando marcou 6,03 m. “Hoje eu estou em melhor forma física do que estava no Rio. Cada atleta tem seu sofrimento. Todo mundo tem de ser valorizado, porque a gente sofre por um sonho e está aqui lutando pelo Brasil. Atleta espera ter reconhecim­ento.”

Da boca de Braz sai a frase “a mágica dos Jogos Olímpicos não deixou de acontecer”. Com público ou sem público, antes ou durante a pandemia, o brasileiro conquista medalha no salto com vara.

Ele ainda torceu contra a tentativa do sueco Armand Duplantis de quebrar o recorde mundial de 6,19 m —o novo medalhista de ouro falhou nas três tentativas. Se tivesse sucesso, superaria também o recorde olímpico do brasileiro de 6,03 m, de 2016.

“Olimpíada é muito especial, é o sonho de qualquer atleta. E tem outra aí”, lembrou, citando Paris-2024. Outro pódio o transforma­ria no maior medalhista do país em provas individuai­s do atletismo. Porque Braz pode ter altos e baixos na vida e na carreira, como ele mesmo afirma. Mas nas Olimpíadas, não.

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Lucy Nicholson/Reuters 4
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