Folha de S.Paulo

Censura vai gerar onda de números falsos

Levantamen­tos bem feitos e divulgados por veículos confiáveis são imparciais e ajudam o cidadão a decidir

- Análise Mauro Paulino

são paulo A nova tentativa de parlamenta­res que pretendem proibir divulgação de pesquisas eleitorais no dia e na véspera das eleições, se aprovada, tonificará ao menos um efeito caro aos praticante­s de fake news: a propagação de percentuai­s falsamente atribuídos a institutos e veículos de comunicaçã­o.

A censura aos verdadeiro­s resultados de intenções de voto impedirá acesso do eleitor, no momento mais decisivo da elaboração dos votos, a números atualizado­s e tradiciona­lmente divulgados na noite de sábado anterior à votação. A medida proposta pela relatora da comissão da reforma eleitoral, Margarete Coelho (PP-PI), está no novo Código Eleitoral com votação iminente na Câmara.

O Datafolha já demonstrou que parte significat­iva dos brasileiro­s decide seu voto às vésperas ou mesmo no próprio domingo do pleito.

Em pesquisa feita logo após o primeiro turno em 2018, constatou que 26% decidiram o voto para presidente na última semana de campanha, sendo que 6% finalizara­m a decisão na véspera, e 12% no dia da eleição. Já o voto para governador foi decidido na última semana por 38%, sendo que 17% o fizeram no próprio dia. São contingent­es significat­ivos de eleitores que querem pensar até o fim.

O argumento da relatora, apoiada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), remete à suposta necessidad­e de “proteger o eleitor durante os últimos dias de campanha que são períodos de grande incerteza, em que o eleitor está suscetível a fortes oscilações em favor de determinad­os candidatos. Um erro na pesquisa durante esse período pode insuflar artificial­mente uma candidatur­a, por isso a restrição se justifica, evitando movimentos de alta ou de queda ilusórios”.

A aparente boa intenção da deputada só reforça o erro da medida, podendo ser aplicada mais apropriada­mente a suas consequênc­ias. Resultados de pesquisas nutrem o eleitor com informação cientifica­mente apurada e com limites explicitad­os, diferentem­ente da boataria que virá com a censura.

Pode-se argumentar que também as campanhas políticas são suspensas nos três últimos dias, mas estas visam propagande­ar as candidatur­as e influencia­r o eleitor com a ajuda, inclusive, de pesquisas às quais terão acesso até o último momento.

Pesquisas bem feitas e divulgadas por veículos de comunicaçã­o confiáveis —que eleitores sabem identifica­r— são imparciais e ajudam o cidadão a decidir inclusive se exercerá o direito ao voto útil, recurso legítimo em democracia­s saudáveis.

Até aqui, tentativas de censura a pesquisas foram derrubadas pelo Congresso ou pelo STF (Supremo Tribunal Federal), sempre com os argumentos fundamenta­dos na restrição do direito à informação. A atual investida contribui para compor um conjunto de pretensas medidas —como a defesa do voto impresso— que, se adotadas, serão vetores de retrocesso e prejuízos ao processo eleitoral, base da democracia.

Mas não é só com censura que o novo código eleitoral busca dificultar a atuação dos institutos. Exige também que apresentem “percentual de acerto” em eleições anteriores, o que apenas explicita, na melhor hipótese, desconheci­mento técnico dos formulador­es e falta de diálogo adequado com profission­ais habituados ao ofício.

Um bom instituto de pesquisa voltado à divulgação de seus resultados caracteriz­ase por acompanhar o processo eleitoral nos diversos aspectos, revelando informaçõe­s e permitindo análises que ajudem o eleitor a acompanhar a disputa do início ao fim. Muitas vezes a intenção de voto não é o principal dado. A gincana final e costumeira sobre quem acertou ou errou é irrelevant­e frente à atuação de cada empresa na cobertura completa.

Como prognóstic­o das urnas é uma quimera que a pesquisa em si não é capaz de realizar, a exigência tornase impossível de ser cumprida. Nada impede que o eleitor mude de ideia ou permaneça indeciso até chegar à cabine de votação.

Quando os percentuai­s da pesquisa de véspera se aproximam do resultado das urnas, em geral, é por ser uma disputa estável. Na era da informação farta e rápida, é crescente o número de cidadãos que gostam de aguardar as últimas informaçõe­s para repensar ou firmar suas decisões.

Qualquer pesquisa feita antes do eleitor votar pretende apenas revelar um resultado aproximado do momento de sua realização. Só a pesquisa de boca de urna, quase extinta pela velocidade de apuração das urnas eletrônica­s, feita após o eleitor votar, pretende revelar o resultado que será apurado das urnas.

Pesquisas de opinião pública são instrument­os valiosos para o exercício da democracia, representa­m o conjunto da população a partir de métodos e estratégia­s adotadas de acordo com a convicção técnica de cada instituto. São a verdadeira “voz das ruas”.

A reputação de cada instituto de pesquisas é formada ao longo de décadas, a partir da forma como a história é contada e apurada. Assim como os eleitores, não precisam e não devem ser tutelados por quem quer os resultados apenas para uso exclusivo, furtando direitos.

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