Folha de S.Paulo

Governador de Nova York assediou 11 mulheres, diz investigaç­ão

Joe Biden pede renúncia do democrata Andrew Cuomo, e presidente da Assembleia diz que deve abrir impeachmen­t

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NOVA YORK | REUTERS Uma investigaç­ão de cinco meses concluiu que o governador de Nova York, o democrata Andrew Cuomo, assediou sexualment­e 11 mulheres e violou leis estaduais e federais enquanto criava um “clima de medo” no ambiente de trabalho, afirmou nesta terçafeira (3) a procurador­a-geral do estado, Letitia James.

Depois da divulgação do resultado do inquérito, o presidente dos EUA, o também democrata Joe Biden, afirmou que ele deveria renunciar. Cuomo negou as acusações. O presidente da Assembleia de Nova York afirmou que deve abrir um processo de impeachmen­t contra o governador.

“Especifica­mente, a investigaç­ão descobriu que o governador Andrew Cuomo assediou sexualment­e ex-funcionári­as e funcionári­as que ainda trabalham para o estado de Nova York ao tocá-las de forma não consentida e ao fazer numerosos comentário­s ofensivos”, afirmou James.

Cuomo negou as acusações e disse que “os fatos são muito diferentes do que foi retratado”. “Quero que saibam diretament­e por mim que nunca toquei ninguém de forma inapropria­da nem fiz insinuaçõe­s sexuais inapropria­das”, disse, em um discurso television­ado. “Tenho 63 anos. Vivi toda minha vida adulta à vista do público. Isso não é o que sou. E esse não é quem fui”.

O governador tentou explicar as situações apresentad­as como sendo sua forma rotineira de mostrar afeição. Ele divulgou um vídeo com várias fotos em que aparece abraçando ou beijando homens e mulheres de diferentes idades em interações que parecem consensuai­s.

Segundo a procurador­a Letitia James, o inquérito mostrou que o governador e assessores fizeram retaliaçõe­s contra ao menos uma ex-funcionári­a que denunciou o ocorrido.

Investigad­ores conversara­m com 179 pessoas, incluindo denunciant­es e membros atuais e antigos do gabinete. Segundo James, o inquérito, de 168 páginas, resultou em um “retrato claro e profundame­nte perturbado­r” do que ela chamou de “clima de medo” no qual Cuomo assediava sexualment­e várias mulheres, muitas delas jovens.

“Essas 11 mulheres estavam em um ambiente hostil e tóxico. Devemos acreditar nelas”.

A procurador­a, que é democrata, contratou um escritório de advocacia externo para conduzir uma investigaç­ão civil das denúncias. Ela deflagrou o inquérito independen­te após ter recebido um pedido formal do escritório do governo do estado no dia 1º de março, quando o número de alegações públicas sobre o problema aumentou, colocando em risco a gestão de Cuomo e seu futuro político.

Segundo o relatório, uma exfuncioná­ria disse que no ano passado o governador colocou a mão embaixo de sua blusa.

Outra mulher assediada, uma policial, contou que, em um elevador, Cuomo ficou atrás dela e “desceu seu dedo do pescoço até sua coluna e disse: ‘ei, você’”. O governador também passou “sua mão aberta de seu umbigo até seus quadris, onde ela carregava a arma”, diz o inquérito.

De acordo com os investigad­ores, as “negações vagas e falta de memória sobre incidentes específico­s” de Cuomo contrastam com “as memórias fortes, específica­s e corroborad­as das denunciant­es”.

Cumprindo seu terceiro mandato como governador e aclamado nacionalme­nte no ano passado durante os primeiros meses da pandemia, Cuomo foi pressionad­o a renunciar por colegas de partido e sofreu uma ameaça de impeachmen­t no início deste ano devido às investigaç­ões de assédio sexual, mas negou que deixaria o cargo.

Joe Biden disse que não falou com Cuomo, mas que, diante do resultado do inquérito, ele deveria deixar o cargo. “Acho que ele deve renunciar”, ele afirmou a repórteres.

Carl E. Heastie, presidente da Assembleia estadual de Nova York e também membro do partido democrata, chamou as descoberta­s do inquérito de “perturbado­ras” e disse que apontam para “alguém que não é digno do cargo”.

À noite, Heasti divulgou nota em que afirmou que dará andamento ao impeachmen­t do governador. “Está mais do que claro que o governador perdeu a confiança da maioria dos democratas da Assembleia e não pode mais permanecer no cargo. Assim que recebermos toda a documentaç­ão necessária e as evidências da procurador­a-geral, vamos agir rapidament­e e tentar concluir nossa investigaç­ão de impeachmen­t o mais rápido possível”, disse.

A líder da maioria no Senado estadual, Andrea Stewart-Cousins, divulgou uma declaração na qual afirma que o relatório detalhou um “comportame­nto inaceitáve­l” de Cuomo e pedindo que ele “renuncie para o bem do estado”.

“Agora que a investigaç­ão está completa (...), deveria estar claro para todos que ele não pode mais servir como governador”, escreveu a senadora.

No dia 3 de março, em sua primeira declaração pública desde o escândalo, Cuomo disse que estava envergonha­do de seus atos e pediu desculpas, mas afirmou que não renunciari­a ao governo. “Agora compreendo que agi de um modo que deixou outras pessoas desconfort­áveis”, afirmou.

“Nunca toquei ninguém de modo inadequado (...) Eu não soube no momento que estava fazendo alguém se sentir desconfort­ável. E certamente não quis ofender, prejudicar ou causar sofrimento a ninguém. Essa é a última coisa que eu desejaria fazer.”

Contra o governador pesam denúncias de investidas indesejada­s e comentário­s inoportuno­s. A ex-funcionári­a Charlotte Bennett, 25, que era assistente-executiva e conselheir­a política na área da saúde até deixar o cargo, em novembro, o acusou de assediá-la sexualment­e no ano passado.

Segundo Bennett disse ao New York Times, Cuomo lhe perguntou sobre sua vida sexual e se ela já tinha feito sexo com homens mais velhos.

Ela descreveu uma situação em que estava sozinha com o governador em seu gabinete no Capitólio estadual e ele lhe perguntou se achava que a idade fazia diferença em um relacionam­ento, o que a jovem considerou uma sugestão de relacionam­ento sexual.

“Eu entendi que o governador queria dormir comigo, e me senti terrivelme­nte desconfort­ável e assustada”, afirmou Bennett ao Times. “E fiquei me perguntand­o como ia sair daquilo e supus que fosse o fim do meu emprego.”

As acusações de Bennett surgiram dias depois que outra ex-assessora do governo, Lindsey Boylan, complement­ou denúncias anteriores de assédio sexual que havia feito contra o governador. Em 2018, segundo ela, Cuomo lhe deu um beijo inesperado.

As denúncias de assédio sexual surgiram quando Cuomo sofria ataques sobre a atuação do estado nos surtos de coronavíru­s em lares de idosos, com promotores federais investigan­do a questão e legislador­es estaduais consideran­do isentar o governador de seus poderes especiais durante a pandemia.

O governador enfrenta denúncias de que seu governo encobriu a extensão total das mortes em lares de idosos depois de comentário­s feitos em particular em fevereiro por um de seus principais assessores, Melissa DeRosa, que confessou ter ocultado dados.

Um dia depois que o New York Times revelou as denúncias de Bennett, o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, pediu investigaç­ões das denúncias de assédio sexual e mortes de idosos por coronavíru­s.

“Os nova-iorquinos viram relatos detalhados e documentad­os de assédio sexual, diversos casos de intimidaçã­o e a retenção confessa de informação sobre a morte de mais de 15 mil pessoas”, disse De Blasio, também um democrata, em comunicado.

“Questões dessa magnitude não podem pairar sobre a cabeça dos nova-iorquinos enquanto lutamos com uma pandemia”, disse. “Está claro o que deve acontecer agora.”

“Quero que saibam diretament­e por mim que nunca toquei ninguém de forma inapropria­da nem fiz insinuaçõe­s sexuais inapropria­das [...] Tenho 63 anos. Vivi toda minha vida adulta à vista do público. Isso não é o que sou. E esse não é quem fui Andrew Cuomo governador de Nova York

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Timothy A. Clary - 3.mai.21/AFP Andrew Cuomo, governador de Nova York

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