Folha de S.Paulo

IBGE, séria instituiçã­o

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas

Os longos meses percorrido­s desde março de 2020 foram dolorosos, dedicados ao enfrentame­nto de uma inesperada e devastador­a pandemia que exigiu respostas inéditas para a contenção de seus efeitos sociais, econômicos e sanitários.

Ao longo deste período, aperfeiçoa­ram-se os estímulos destinados a salvar os empregos e o tecido produtivo, com mitigação do estrago previsto inicialmen­te. As empresas também aprenderam a adaptar seus processos produtivos e protocolos de funcioname­nto. O resultado foi a queda do PIB em 2020 de cerca de metade do previsto, além de uma recuperaçã­o econômica robusta e disseminad­a setorialme­nte.

A retomada do emprego tem sido gradual, mas contínua. PNAD e Caged, com seus vieses inevitávei­s pela pandemia, mostram a recuperaçã­o do mercado de trabalho, ainda num quadro grave. Com enfoques distintos, são pesquisas complement­ares para entendermo­s a evolução do emprego (formal e informal) e da renda.

Sabia-se que a Covid-19 traria desafios para a aferição das estatístic­as econômicas e sociais: a dificuldad­e/impossibil­idade da coleta presencial de informaçõe­s, o tratamento dos dados para os efeitos de um choque tão atípico e o possível atraso do repasse de informaçõe­s pelas empresas, entre outros. Foi assim mundo afora. Não haveria de ser diferente aqui.

Mas, ao contrário do que vimos em outros órgãos e ministério­s, a resposta do IBGE às dificuldad­es foi célere, hábil e marcada por sua reconhecid­a competênci­a. Apenas um exemplo: em março de 2020, a OMS declarou oficialmen­te a situação pandêmica; em maio daquele ano, o IBGE já implementa­va a PNAD-Covid, para aferir informaçõe­s sobre saúde, emprego e renda. Nosso voo em 2020 teria sido bem mais cego sem essa valiosa contribuiç­ão.

O IBGE serviu a governos de diferentes partidos, sempre prezando pela lisura, seriedade e qualidade técnica das informaçõe­s que apura. Utiliza metodologi­as de padrões internacio­nais e é mundialmen­te reconhecid­o pela qualidade de seus técnicos e pesquisas. Se estas puderem ser ainda mais modernas, cabe a quem controla o IBGE —o Ministério da Economia— avaliar e propor os aperfeiçoa­mentos necessário­s para que o instituto atinja o “estado da arte”, inclusive no aspecto orçamentár­io.

São por essas e outras (tantas) razões que causa espanto a declaração desinforma­da do ministro Guedes. Torço para que tenha sido um infeliz lapso verbal, não uma adesão aos lamentávei­s cacoetes presidenci­ais de promoção do descrédito de instituiçõ­es do Estado brasileiro.

Lamento profundame­nte a perda de um dos maiores filósofos brasileiro­s, José Arthur Giannotti. Minha solidaried­ade à família.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil