Folha de S.Paulo

Sem opções, presidente segue com tática de mirar a ruptura

Presidente parece forçar punição para tentar melar 2022, mas está isolado

- Igor Gielow

são paulo A essa altura do campeonato, é ocioso dizer quantos Rubicões já foram cruzados por Jair Bolsonaro, mas talvez seja importante notar que a tomada da Roma institucio­nal que ele ataca ainda está longe de se concretiza­r.

A resposta dada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em coordenaçã­o com a ala mais ativa do STF (Supremo Tribunal Federal) é, antes de tudo, um raro momento em que o Judiciário deixou o mundo das notas de repúdio e buscou assertivid­ade ante as hordas antidemocr­áticas comandadas pelo presidente.

Há riscos evidentes. Ao buscar pendurar no pescoço de Bolsonaro com propriedad­e legal a pecha que ele carrega sem vergonha alguma, os togados podem acabar por legitimar o discurso de perseguiçã­o pelo “sistema” que ainda cola na base bolsonaris­ta.

Daí para a confusão que o presidente arma para a eleição do ano que vem se materializ­ar, talvez com ataques a seções eleitorais por parte de apoiadores, é um pulo.

É bom lembrar que toda eleição ocorre com uma GLO (Operação de Garantia da Lei e da Ordem), com militares mobilizado­s, na rua.

Aí volta-se ao temor já expresso por figuras como o exministro Raul Jungmann (Defesa e Segurança), de que Bolsonaro faça corpo mole em caso de balbúrdia, gerando uma ruptura institucio­nal de fato.

Ministros do Supremo, sob reserva, discutem se eles poderiam avocar a si responsabi­lidade sobre os militares no caso de o presidente buscar o caos deliberada­mente. Este é um cenário extremo, mas só o fato de estar em discussão mostra a dimensão do problema colocado.

Entram no momento algumas minúcias. Se o inquérito administra­tivo no TSE pode incorrer em alguma ameaça à elegibilid­ade do mandatário em 2022, não faltará acusação de tapetão, o que favorece a tática presidenci­al.

Já a notícia-crime para torná-lo investigad­o no Supremo Tribunal Federal é uma dor de cabeça grande, em especial pelo temor constante que Bolsonaro revela de ver seu filho Carlos preso por obra do obstinado ministro Alexandre de Moraes.

Mas ao fim, na hipótese de o inquérito elaborar alguma culpabilid­ade criminal do presidente, de resto bem evidente, ele só poderá ser denunciado pela PGR (Procurador­ia-Geral da República) —além de Augusto Aras ser aliado, ele precisaria ver 2/3 da Câmara votando pela aceitação da peça.

Aí, o seguro contratado com a entrega do sistema nervoso do governo para o centrão, que já comanda Câmara, lhe dá uma boa margem de segurança, assim como no caso de algum processo de impeachmen­t eventualme­nte ser analisado pelos deputados.

Naturalmen­te, isso tudo depende da dinâmica esperada por Ciro Nogueira (Casa Civil) funcionar, e ela parece ter o prazo de validade das rubricas do Orçamento de 2021.

Neste interregno, Bolsonaro segue com sua ofensiva, dobrando a aposta na radicaliza­ção a cada dia.

Nesta terça (3) o fez pateticame­nte, tentando circunscre­ver sua briga a Luís Roberto Barroso, como se as cortes superiores não se unissem em torno até de desafetos na hora em que são desafiadas.

Cabe ressaltar na equação a possibilid­ade de Bolsonaro estar atrás de uma acomodação, como sugeriu na fatídica live de quinta (29), quando emitiu termos de rendição entre tantas acusações às urnas: não quer ser preso nem ver sua família punida.

Chama a atenção de líderes partidário­s ouvidos pela reportagem o caminho escolhido por Bolsonaro, considerad­o sem volta.

Para um deles, a impressão é de que o presidente busca ser punido, cassado, impedido, apenas para botar em marcha seu plano de melar o pleito de 2022 de forma acelerada.

O problema para Bolsonaro é, a exemplo de um presidente que buscou o roteiro da martirizaç­ão em busca da redenção, o Jânio Quadros de 1961, o fato de que está isolado.

Se ainda consegue levar pessoas às ruas, o que é óbvio para quem tem talvez 25% de aprovação popular e pode se beneficiar da melhoria econômica e da vacinação que ironicamen­te combateu, a situação política não lhe é das mais favoráveis.

O apoio do centrão, que já esvaiu-se por muito menos em outros governos, não sobrevive a um vídeo de urna eletrônica sendo esmagada com porretes, ou algo do gênero.

Mesmo com a vaca orçamentár­ia dando leite, vista grossa tem limites.

Não se pode desconside­rar o fastio generaliza­do com a figura do presidente também.

O Congresso hoje está fatiado entre a minoria sólida que sustenta a defesa do governo, uma grande contingent­e já fazendo contas para aderir a uma candidatur­a de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e um grupo intermediá­rio atrás de uma alternativ­a aos dois.

Nada tem de casual o comportame­nto de Lula, que quer Bolsonaro sangrando, mas não morto. Uma desidrataç­ão acelerada do presidente, algo insondável mas não impossível, abre uma larga estrada para nomes à centro-direita contra o petista.

Numa outra ponta, há os militares. O apoio ao voto impresso é majoritári­o entre chefes da ativa, mas Bolsonaro parece iludido pelo bolsonaris­mo de seus generais da reserva mais próximos, Walter Braga Netto (Defesa) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria­Geral da Presidênci­a).

A ideia de que comandante­s de área apoiariam um golpe ou algo assim quando a Câmara presumivel­mente enterrar a ideia parece, na palavra deles ao menos, infundada.

Enquanto isso, a erosão da imagem dos fardados, fiadores da aventura Bolsonaro, só aumenta, vide o papelão feito por um coronel ao se passar por especialis­ta em fraude eletrônica na bizarra live.

Chama a atenção de líderes partidário­s ouvidos pela reportagem o caminho escolhido por Jair Bolsonaro, considerad­o sem volta dada a estridênci­a exagerada até para quem se acostumou com a cacofonia presidenci­al desde 2019. Para um deles, a impressão é de que o presidente Bolsonaro busca ser punido, cassado, impedido, apenas para botar em marcha seu plano cada vez mais público de tentar empastelar o pleito de 2022 de uma forma acelerada

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