Folha de S.Paulo

Nelson Wilians, empreended­or e advogado

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Os recordes nas pistas, piscinas e quadras e o provável fracasso econômico como negócio de entretenim­ento dos jogos olímpicos de Tóquio são os dois lados da mesma medalha.

O Japão era um dos poucos países que poderiam se arriscar na corda bamba para realizar as Olimpíadas em plena pandemia, por sua execução diligente em grandes projetos.

Os jogos, porém, que deveriam ser um momento de glória, transforma­ram-se em um ruidoso pódio de contestaçã­o, com 80% dos japoneses contra a sua realização.

Antes da pandemia, os organizado­res venderam mais de 4 milhões de ingressos e levantaram mais de US$ 3 bilhões em patrocínio­s: um recorde histórico. A projeção era de quase 1 milhão de turistas por dia em Tóquio durante o período da competição.

Até que em março de 2020, o governo japonês anunciou a suspensão dos Jogos devido à pandemia. E, há menos de 20 dias da nova data de abertura, comunicou que o evento não teria público em razão do aumento de casos de Covid-19.

Para uma economia que encolheu no primeiro trimestre de 2021, o movimento de turistas teria sido uma fonte muito bem-vinda de receita extra. Estima-se agora que o Japão poderá arcar com um prejuízo de até US$ 20 bilhões.

Se o Japão falhou na vacinação — não por falta de vacina — pelo menos não fingiu que o vírus estava derrotado, mesmo com importante­s fatores financeiro­s, políticos e institucio­nais literalmen­te em jogo.

O que se pode perguntar agora é: qual o legado — o COI introduziu a palavra “legado” na Carta Olímpica em 2003 — que ficará dos jogos em um período tão difícil?

Como o trem bala marcou as Olimpíadas de Tóquio de 1964, o exemplo de uma sociedade de hidrogênio, elemento abundante e limpo, será um desafio de superação para as cidades que futurament­e sediarão os jogos.

Os organizado­res do evento calculam que esses serão os jogos mais verdes da história, com emissão de 2,93 milhões de toneladas de CO², contra 3,3 milhões de toneladas de Londres 2012. O hidrogênio está fornecendo calor, água quente e luz para as instalaçõe­s da vila olímpica com emissão zero, e fazendo rodar uma frota de quase 4 mil veículos.

As mais de 300 medalhas foram produzidas com metais recuperado­s de 6,2 milhões de celulares descartado­s, assim como os pódios, feitos de plástico recuperado do oceano.

O Japão mostrou ainda ao mundo que se refez da sequência devastador­a de desastres: terremoto, tsunami e acidente nuclear em 2011, a maior catástrofe enfrentada pelo país desde as bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945. A reconstruç­ão da antiga área para os jogos, aliás, foi usada inicialmen­te para obter a aceitação do público japonês aos jogos.

Ainda que cada nação avalie os jogos por seu quadro de medalhas e que o evento talvez não seja memorável da maneira que o Japão esperava — o que deve ter um custo político aos envolvidos — ainda é prematuro tirar conclusões. Há mais perguntas do que respostas.

Até aqui, porém, há poucos dias da linha de chegada para o fim dos jogos, o que é possível colocar no pódio é o exemplo de resiliênci­a, sustentabi­lidade, mitigação de riscos e solidaried­ade. Tudo que eleva o espírito olímpico e reflete a luta humana pela sobrevivên­cia nesses últimos dois anos de pandemia. Arigatô, Tóquio.

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