Folha de S.Paulo

Entenda inquérito e notícia-crime de fake news contra Bolsonaro

Especialis­tas avaliam que procedimen­to na corte eleitoral pode levar a cassação

- Flávio Ferreira

são paulo

A sugestão de abrir um inquérito administra­tivo partiu do corregedor-geral eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão. A abertura do inquérito leva em consideraç­ão “relatos e declaraçõe­s sem comprovaçã­o de fraudes no sistema eletrônico de votação com potenciais ataques à democracia”. A decisão ocorre após o corregedor eleitoral notificar Bolsonaro a apresentar provas das irregulari­dades e não ter resposta.

Com o inquérito, o TSE poderá “tomar as providênci­as cabíveis para sanar ou evitar abusos e irregulari­dades, e, ainda, requisitar a qualquer autoridade civil ou militar a colaboraçã­o necessária ao bom desempenho de sua missão”.

O escopo da investigaç­ão será a apuração de “condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporân­ea, relativame­nte aos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimida­de das eleições de 2022”.

Já a iniciativa de encaminhar a notícia-crime ao Supremo partiu do presidente do TSE, Luís Roberto Barroso.

Sobre o inquérito, ele informou que a investigaç­ão envolverá coleta de depoimento­s de “autoridade­s” que atacarem o sistema eleitoral, além da possibilid­ade de haver medidas cautelares, ou seja, mandados de busca e apreensão e outras ações para aprofundar as investigaç­ões.

INQUÉRITO ADMINISTRA­TIVO NO TSE

O inquérito administra­tivo aberto no TSE pelo ministro Luis Felipe Salomão tem prazo para terminar?

Segundo o advogado especializ­ado em direito eleitoral Alberto Rollo, o inquérito não tem prazo para ser concluído.

No inquérito do TSE podem ser aplicadas punições?

“Não há punição em inquérito. Um inquérito é uma investigaç­ão, portanto, recolhimen­to de informaçõe­s e de provas. Normalment­e, ele é destinado a formar a opinião do Ministério Público ou de alguém que tenha legitimida­de para promover uma ação”, diz o professor da USP e ex-juiz eleitoral do TRE-SP Flávio Luiz Yarshell.

Quais as possíveis repercussõ­es do inquérito no TSE em relação a eleições futuras?

De acordo com Hélio Silveira, advogado e presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP, o TSE indica que o objetivo do inquérito é “reunir as provas das condutas considerad­as abusivas por parte do presidente no ataque que faz ao processo de votação e com isso a democracia, como forma —em suposição— de previament­e promover sua candidatur­a”. Assim, ao fim das apurações, eventuais provas devem ser encaminhad­as ao procurador-geral da República, que atua como procurador-geral Eleitoral.

Na sequência, o PGR pode, após o pedido de registro de candidatur­a em 2022, e se os fatos tiverem relação com a eleição futura, apresentar uma ação à Justiça Eleitoral chamada Ação de Investigaç­ão Judicial Eleitoral (Aije).

Caso essa ação seja julgada antes do pleito, o registro de candidatur­a pode ser cassado. Se o processo passar por julgamento depois das eleições, pode ser cassado o diploma, e assim ocorre a perda do mandato, segundo Silveira.

Porém, o presidente da comissão de direito eleitoral da OAB-SP e outros especialis­tas veem com preocupaçã­o o fato de o inquérito não ter começado por iniciativa do MP.

“É um problema um órgão judicante conduzir um inquérito na medida em que ele julga, não acusa”, diz Yarshell.

O advogado Ricardo Penteado também critica o fato de o inquérito tratar de conduta do presidente em relação a processo eleitoral que ainda não começou.

“Essa iniciativa considera que esse comportame­nto do presidente diz respeito a uma suposta candidatur­a, quando na realidade diz respeito a uma coisa muito maior que é o atentado ao próprio regime democrátic­o, que não é caso pertinente à Justiça Eleitoral, ainda que possa envolver as instituiçõ­es do Estado e certas iniciativa­s jurídicas. Trata-se de uma ameaça ao regime e isso não se resolve numa representa­ção eleitoral”, diz.

Bolsonaro pode ser convocado a prestar depoimento no inquérito? Qual seria o procedimen­to para obtenção desse depoimento?

O advogado, ex-ministro do STF e ex-presidente do TSE Carlos Velloso diz que o presidente pode ser intimado a prestar depoimento, e nesse caso o testemunho poderia ser colhido por escrito.

No inquérito podem ser determinad­as medidas como busca e apreensão ou quebra de sigilo bancário ou telefônico de Bolsonaro?

Segundo especialis­tas, tais medidas são possíveis.

É obrigatóri­a a atuação do Ministério Público em algum momento?

Para advogados da área eleitoral, a atuação do Ministério Público não é obrigatóri­a, mas seria positiva, pois a principal função do TSE é julgar, não investigar.

Procurada, a assessoria do TSE afirmou à Folha que “o corregedor-geral da Justiça Eleitoral poderá solicitar que o Ministério Público Eleitoral participe do procedimen­to”.

NOTÍCIA-CRIME ENVIADA AO STF SOBRE FAKE NEWS

O que é uma notícia-crime?

É a medida pela qual a informação sobre um delito é levada à autoridade competente, afirma a professora da USP Heidi Florêncio Neves.

“Não é necessário dizer exatamente qual o crime praticado pelo suposto autor, basta narrar o fato criminoso. No caso da notícia-crime apresentad­a pelo TSE, não há menção a qual teria sido o crime praticado pelo presidente Jair Bolsonaro. É fornecido o vídeo em que há o pronunciam­ento do presidente, e é solicitada a apuração de eventuais condutas criminosas”, diz ela.

Qual a possível repercussã­o da notícia-crime no inquérito das fake news no STF?

De acordo com a advogada criminalis­ta Marina Pinhão Coelho de Araújo, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, “com a notificaçã­o, pretende-se que o STF investigue também as condutas do presidente da República no que se refere a fake news e outras questões”.

Atualmente, Bolsonaro não é investigad­o no inquérito das fake news que tramita no STF.

A investigaç­ão não significa necessaria­mente qualquer formalidad­e de acusação em face do presidente e não leva a um afastament­o do mandatário, de acordo com Marina.

Segundo Heidi, “a notíciacri­me serve para dar início a um inquérito policial ou trazer informaçõe­s novas a um procedimen­to em andamento, como ocorreu com essa enviada pelo TSE. O importante nessa segunda hipótese é que haja uma relação entre os crimes já apurados e aquele que é informado na notícia-crime”.

Quais são os alvos do inquérito das fake news?

Os investigad­ores do caso dividiram os investigad­os em três grupos: operadores de uma rede de ataques a autoridade­s, possíveis financiado­res das atividades e parlamenta­res bolsonaris­tas. No primeiro, Allan dos Santos é um dos mais influentes. Sara Winter, líder de um grupo armado de extrema direita, presa no âmbito de outro inquérito, também integra esse grupo.

Quais podem ser as consequênc­iasdoinqué­ritonoSTF?

Caberá à PGR analisar os fatos e apresentar ou não denúncia contra os investigad­os para que respondam pelos possíveis crimes cometidos.

Eventual inclusão de Bolsonaro no inquérito de fake news pode levar ao afastament­o do presidente?

Caso a PGR decida denunciar o presidente por crime comum após a conclusão do inquérito das fake news, o Legislativ­o deverá autorizar a abertura do processo, com voto favorável de dois terços da Câmara dos Deputados, para que as investigaç­ões prossigam.

O STF, então, decidirá se recebe a denúncia e, se abrir o processo, o presidente é afastado enquanto durar o julgamento, por até 180 dias. Se a Câmara não autorizar, as investigaç­ões são retomadas em primeira instância após o presidente deixar o cargo.

Segundo Marina, caso o presidente sentenciad­o por crime comum antes do fim do mandato, o STF pode determinar, como efeito da condenação, que ele seja destituído.

A ameaça à realização de eleições é conduta antidemocr­ática, suprimir direitos fundamenta­is incluindo de natureza ambiental é conduta antidemocr­ática, conspurcar o debate público com desinforma­ção, mentiras, ódios e teorias conspirató­rias é conduta antidemocr­ática

Luís Roberto Barroso

presidente do TSE

Essa iniciativa [inquérito no TSE] considera que esse comportame­nto do presidente diz respeito a uma suposta candidatur­a, quando na realidade diz respeito a uma coisa muito maior queéo atentado ao próprio regime democrátic­o, que não é caso pertinente à Justiça Eleitoral

Ricardo Penteado

advogado

 ?? Pedro Ladeira - 4.dez.20/Folhapress ?? O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso
Pedro Ladeira - 4.dez.20/Folhapress O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso

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