Folha de S.Paulo

Novo código elimina blindagem, mas traz armadilhas para campanha digital

- Patrícia Campos Mello

SÃO PAULO As plataforma­s de internet podem se livrar de um de seus piores pesadelos na eleição de 2022: a blindagem dos políticos nas redes sociais, uma reivindica­ção dos bolsonaris­tas.

O texto do novo código eleitoral, que pode ser votado nos próximos dias na Câmara, suprimiu a proibição de derrubar perfis e conteúdos de candidatos que constava nas primeiras versões.

Isso impossibil­itava as plataforma­s de usarem suas regras para remover ou rotular conteúdos que questionas­sem a integridad­e das eleições, incitassem à violência ou promovesse­m supressão de votos, caso fossem de autoria de candidatos ou partidos.

Mas ainda que o pior tenha sido evitado, as novas regras para propaganda eleitoral na internet darão muita dor de cabeça, e não apenas para as empresas de tecnologia.

O texto dá às plataforma­s no máximo 24 horas (que podem ser 1 ou 2 horas, a depender da decisão judicial) para determinar se certas contas são automatiza­das (robôs) ou semi e derrubá-las.

Pensando, por exemplo, nas milhões de contas no Twitter levantando hashtags ou fazendo ataques coordenado­s, a empresa teria que investir tempo e recursos consideráv­eis em inteligênc­ia artificial e mão de obra humana para dar conta da tarefa.

O artigo 509 proíbe “a veiculação de propaganda política ou eleitoral por intermédio do uso automatiza­do de perfis em mídias sociais, assim como perfis robôs, ainda que assistidos por humanos”.

O objetivo é nobre. O problema é que não existem instrument­os 100% exatos para determinar se uma conta é automatiza­da ou semi, e a lei não define quem irá determinar se a conta é robô.

“Corremos o risco de haver uma enorme judicializ­ação, e aí os tribunais vão passar o tempo inteiro julgando quem é robô ou não é”, diz Diogo Rais, professor do Mackenzie.

Um ponto que causa alarme entre especialis­ta sé oque determina que mensagens eletrônica­s com conteúdo político devem dispor de mecanismo que permita a solicitaçã­o dedes cadastrame­nto.

Segundo peritos em segurança, os links de descadastr­amento representa­m um alto risco de ataques cibernétic­os de programas como o Pegasus, que espiona os dispositiv­os eletrônico­s.

Além disso, será impossível fiscalizar o cumpriment­o da lei no aplicativo de mensagens Telegram, cujo uso vem crescendo —a empresa não tem representa­nte no país.

Outro artigo problemáti­co proíbe, nos três meses anteriores às eleições, a disseminaç­ão de desinforma­ção em redes sociais e apps de mensagens. De novo, o objetivo é legítimo, masa aplicação da lei abre brechas para abusos.

O texto define “desinforma­ção” de uma forma muito ampla, e isso pode ser usado pelos candidatos para litigância de má-fé.

Ainda assim, a eliminação da blindagem dos políticos trouxe alívio.

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