Folha de S.Paulo

Reverendo tenta proteger governo federal na CPI

- Raquel Lopes e Renato Machado

BRASÍLIA Em um depoimento com muitas contradiçõ­es e lacunas, o reverendo Amilton Gomes de Paula disse à CPI da Covid, nesta terça (3), que foi “uma bravata” o áudio no qual afirma estar em contato “com quem manda” para tratar da negociação de vacinas contra a Covid-19.

Os membros da CPI dizem acreditar que se referia ao presidente Jair Bolsonaro ao usar a expressão “quem manda”.

Ao longo de sua fala, ele buscou proteger o governo federal e negou ter contatos e influência no Ministério da Saúde e no Palácio do Planalto. Por outro lado, apresentou fatos que evidenciam a rapidez com que suas demandas foram tratadas pela pasta.

Amilton foi convocado após depoentes contarem que seria intermediá­rio entre a Saúde e vendedores não oficiais de vacina. Ele levou ao ministério o policial militar Luiz Paulo Dominghett­i, representa­nte da empresa Davati e que tentava vender 400 milhões de doses da AstraZenec­a.

A Folha mostrou denúncia de Dominghett­i, que afirma ter ouvido pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina do então diretor de logística da pasta, Roberto Ferreira Dias, que acabou exonerado.

Em seu depoimento, o reverendo tentou negar quaisquer conexões políticas.

O senador Humberto Costa (PT-PE) o questionou a respeito de um áudio no telefone de Dominghett­i de posse na CPI. Nele, Amilton sugere que a negociação vai decolar pois está em contato com autoridade com poder de decisão.

“A quem é que o senhor se referia quando disse ‘quem manda’?”, perguntou.

“É, isso aí foi uma bravata”, respondeu o reverendo, reforçando que nunca esteve com Bolsonaro nem com a primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Em outro momento, disse que não se encontrou no dia 15 de março com o presidente porque teve uma crise renal. A declaração foi dada após Rogério Carvalho (PT-SE) lembrar de fala de uma advogada da entidade, chamada de Maria Helena, que confirmou o encontro com o presidente.

“No dia 14 [de março], tivemos reunião [...] onde avisei que, havendo possibilid­ade, estaria em um encontro com o presidente Bolsonaro. Nossa equipe estava saindo para Goiânia, então houve esse ruído de comunicaçã­o, cada um foi passando a mensagem a Dominghett­i e Cristiano [Carvalho, representa­nte da Davati no Brasil] que tanto me importunav­a para falar com o presidente”, afirmou.

Apesar de insistir em que não tinha conexões políticas nem contatos no ministério, apresentou uma sequência de emails e fatos que sugerem bom trânsito na Saúde.

Ele disse que pediu reunião para tratar de vacinas ao meio-dia de 22 de fevereiro, para as 16h30 do mesmo dia. Mesmo sem resposta, foi ao ministério e se reuniu com quadros importante­s, como o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros.

“Eu queria essa eficiência do serviço público para a Pfizer”, disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

“Me desculpe, reverendo, mas não dá para acreditar nisso. É muito furada essa história”, afirmou o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM).

Os senadores também questionar­am a diferença de preço na oferta de vacinas. A Davati teria apresentad­o proposta de US$ 10 por dose da AstraZenec­a. Menos de dez dias depois, o reverendo entregou uma oferta de US$ 11 por dose.

Amilton chorou no depoimento .”Peço desculpas ao Brasil, porque o que eu cometi não agradou primeirame­nte aos olhos de Deus. Esse erro que eu cometi foi um erro que, se eu pudesse voltar atrás, eu voltaria atrás”.

Ainda nesta terça, a CPI aprovou requerimen­to de Randolfe Rodrigues (RedeAP) que pede à Justiça e ao ministro da Saúde que a secretária da Gestão do Trabalho e da Educação da pasta, Mayra Pinheiro seja afastada.

Quebras de sigilo telefônico­s mostram que ela teve contato durante a pandemia com membros de fora do governo que defendiam tratamento sem eficácia contra a Covid-19.

Entre outros 130 requerimen­tos aprovados, um foi para a quebra de sigilos telefônico, telemático, fiscal e bancário do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).

Foi aprovada nova convocação de Elcio Franco, mas retirada da pauta a convocação do ministro da Defesa, general Walter Braga Netto.

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Leopoldo Silva/Ag. Senado O reverendo Amilton Gomes de Paula chora no depoimento à CPI

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