Exército afegão ordena evacuação de cidade cercada pelo Taleban
SÃO PAULO O Exército do Afeganistão pediu que os 200 mil moradores de Lashkar Gah, capital da província de Helmand (sudoeste do país), deixem suas casas.
A cidade está sob ataque de forças do grupo fundamentalista islâmico Taleban, em combates que deixaram ao menos 40 mortos e 118 feridos da segunda (2) para a terça (3), segundo estimativa das Nações Unidas.
Em mensagem para os moradores da cidade, o general Sami Sadat disse que “não deixará nenhum taleban vivo”, “mas se você ficar deslocado de sua casa por alguns dias, por favor nos perdoe”.
Ao serviço afegão da rede britânica BBC, Sadat afirmou que seus militares perderam espaço para as forças do Taleban desde a ofensiva do fim de semana, mas que ele duvida da capacidade dos insurgentes de manter sua posição por muito tempo.
Enquanto isso, na noite desta terça-feira (3), uma forte explosão atingiu o centro de Cabul, deixando ao menos três pessoas mortas.
As autoridades suspeitaram que o alvo seria a casa de Bismillah Khan, ministro da Defesa afegão, que não foi atingido. Foi o primeiro ataque do tipo depois do início da ofensiva taleban, a maior em muitos anos no país.
Minutos após a explosão, centenas de civis saíram às ruas da capital, aos gritos de “Deus é o maior”, para expressar seu apoio ao governo afegão e oposição ao Taleban, que não reivindicou a autoria do ataque.
Segundo o governo, um número não divulgado de terroristas detonou um carro-bomba. Todos morreram em um tiroteio perto da região que concentra embaixadas e prédios públicos na capital, que é mais protegida.
O Taleban comandou o Afeganistão por meio de um regime brutal de 1996 a 2001, quando foi desalojado do poder pela invasão liderada pelos Estados Unidos.
A ação militar de Washington, com apoio ocidental, foi tomada porque o governo afegão abrigava no país a rede Al Qaeda, que promoveu os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.
Desde que os soldados americanos começaram a bater em retirada, porém, o grupo radical passou a avançar e está ganhando terreno.
A decisão do presidente Joe Biden ocorreu em abril, e o plano é evacuar todas as tropas até 31 de agosto. Os outros países que apoiam a missão americana, a maioria da Otan (aliança militar ocidental), fizeram o mesmo.
Os combatentes talebans ampliaram então o controle de vilarejos e pontos de fronteira para o assalto a cidades.
Desde o fim de semana, mudaram a tática e passaram a atacar centros urbanos, que estavam cercados. Estão sob fogo Kandahar (sul), Herat (oeste) e, principalmente, Lashkar Gah.
Ponto estratégico desde sua fundação no século 9º, como seu nome em persa indica (“quartel de exército”), a capital desta província de 1,5 milhão de habitantes é central para o controle dos extensos campos de papoulas, que fornecem ópio para a produção de heroína.
Cerca de 40% da matériaprima mundial para a droga sai da região, o que garante fonte de financiamento importante para quem os controlar. Militarmente, a cidade é um corredor entre o Irã e Kandahar, antigo coração do movimento taleban.
Durante os 20 anos da guerra dos EUA, havia duas enormes bases ocidentais lá, uma americana (Camp Leatherneck) e outra britânica (Camp Bastion), que apoiaram alguns dos mais sangrentos embates com os insurgentes islâmicos.
Ambos os locais foram repassados ao Exército do Afeganistão em 2014, como parte da desmobilização da estrutura do conflito armado.
Durante seu governo purista islâmico, o Taleban proibiu a produção da papoula, mas o pragmatismo após ser ejetado do poder afrouxou sua posição e hoje boa parte dos campos no país gera divisas para o grupo.
O ataque taleban fez com que o governo central em Cabul culpasse diretamente os americanos pela “saída repentina”, como declarou na segunda-feira o presidente afegão, Ashraf Ghani.
Pelo acordo de paz entre Estados Unidos e Taleban, firmado por Donald Trump e ratificado por Biden, os talebans sentariam à mesa com Ghani para dividir poder.
Sinalização de comprometimento já os restringiu antes: em novembro, os talebans haviam tomado o leste da mesma Lashkar Gah, mas recuaram quando os EUA pararam de fazer ataques aéreos na região.
Só que o grupo alega que os americanos romperam o acordo ao não deixar o país em maio, como havia sido acertado inicialmente. Sob essa desculpa, avançam em diversas frentes no país.
Ghani afirma que seu governo terá condições de resistir ao Taleban, amparado no amplo reequipamento das Forças Armadas sob orientação e ajuda americana, e que em seis meses a situação estará estabilizada.
Os EUA ainda dão apoio aéreo ao aliado em Cabul, e tentarão uma rodada de conversa com Rússia, China e Paquistão no dia 11 para debater o caso. Falta combinar com o Taleban agora.