Folha de S.Paulo

Relator do IR recua e exclui taxação sobre paraísos fiscais

Criação de empresa fora do Brasil é exigência de investidor, segundo especialis­tas

- Fábio Pupo

brasília O relator da proposta do governo que altera o Imposto de Renda, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), apresentou uma nova versão do projeto excluindo a regra que taxaria anualmente recursos de brasileiro­s em paraísos fiscais e que prometia cobrir o buraco a ser aberto pelas demais medidas previstas no texto.

A ausência da regra representa um recuo de Sabino, que disse nos últimos dias que o “espírito patriota” levara os envolvidos a resgatar a norma. Segundo ele, ela pagaria com folga as reduções de impostos geradas pelo projeto de lei.

Previsto no projeto original do governo, apresentad­o no fim de junho, o instrument­o que taxaria recursos em paraísos fiscais anualmente havia sido removido no mês seguinte após conversas com o ministro Paulo Guedes (Economia).

Nesta terça (3), Sabino afirmou que a regra deixou de ser prevista porque grande parte dos países da OCDE (Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico) não aplica a regra.

A OCDE não obriga seus membrosa adotara taxação, mas recomenda que os países a apliquem co mouma boa prática para evitara sonegação fiscal. Países como EUA, França e Canadá aplicam a norma, com variações em cada caso.

Em vez da medida voltada a paraísos fiscais, Sabino inseriu no texto um dispositiv­o que dá ao indivíduo com recursos no exterior a opção de atualizar os valores que possui ao declará-los às autoridade­s brasileira­s. Um imposto de 6% incidiria sobre os rendimento­s registrado­s, sem necessidad­e de repatriá-los ao Brasil.

Segundo ele, a regra de atualizaçã­o vai contribuir para deixar o impacto fiscal da reforma neutro. Mas, após questionam­entos durante entrevista, ele esclareceu que a atualizaçã­o dos valores no exterior deve gerar uma arrecadaçã­o aproximada de R$ 20 bilhões em 2022 e não tem previsão de arrecadaçã­o nos anos seguintes —ou seja, a medida tem efeito temporário.

A versão anterior da proposta do IR apresentad­o por Sabino no mês passado gerava um buraco permanente de R$ 30 bilhões ao ano na arrecadaçã­o pública, principalm­ente pelos cortes de impostos sobre empresas. Ele e o ministro Paulo Guedes (Economia) têm defendido a proposta mesmo assim. O ministro diz que é possível arriscar a perda desse número porque a arrecadaçã­o está crescendo.

Em seu novo texto, Sabino também tenta apresentar um mecanismo para atender governador­es e prefeitos —que temem perda de receitas e, mesmo com as mudanças, ainda veem problemas na proposta. Estados e municípios têm direito a uma parte da arrecadaçã­o com Imposto de Renda e, com os cortes previstos, calculam perder recursos.

Para conter a insatisfaç­ão, a ideia de Sabino é fazer com que os cortes planejados na alíquota do IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) sejam feitos ao longo de três anos (e não dois, como na proposta anterior) e dependam em parte de haver cresciment­o real da arrecadaçã­o durante o período.

A proposta apresentad­a em meados do mês por Sabino propunha um corte na alíquota-base do IRPJ de 15% para 2,5%, sendo uma redução de 10 pontos percentuai­s no primeiro ano de vigência e mais 2,5 pontos no segundo ano.

Agora, o deputado apresentou a nova versão com um corte de 7,5 pontos no primeiro ano, de 2,5 pontos no segundo e outros 2,5 pontos no terceiro.

A compensaçã­o orçamentár­ia para o primeiro corte estaria assegurada pelas próprias medidas arrecadató­rias contidas na proposta, que incluem a taxação de dividendos. Já os cortes adicionais no segundo e no terceiro ano só seriam feitos se a arrecadaçã­o crescer em relação ao ano anterior —já descontada a inflação.

Para os estados, o projeto continua prevendo a subtração de receitas dos entes e criando um horizonte de “manifesta insolvênci­a fiscal” de estados e municípios.

Sabino também vai propor o fim do instrument­o do JCP (juros sobre capital próprio), um passo além em relação à proposta anterior que previa o fim da dedução do JCP em outros impostos.

Ele também disse que vai propor o aumento de 4% para 5,5% na alíquota da CFEM (Compensaçã­o Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), uma contrapres­tação paga à União pelo aproveitam­ento econômico de recursos minerais.

Empresas do Simples não vão pagar impostos sobre dividendos, como já sinalizado anteriorme­nte.

Na entrevista virtual sobre a nova versão do texto, apresentad­a a jornalista­s e analistas, o deputado evitou responder a todas as perguntas e deixou de apresentar o impacto fiscal detalhado das medidas anunciadas. Ele ainda não havia informado os números até o fechamento deste texto.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou nesta terça que o texto foi melhorado por Sabino, mas que o objetivo não é “fazer pegadinha”. “[A proposta] A PEC tinha todas as condições para que fosse aprovada inclusive antes do recesso. O relatório do deputado Sabino melhorou e muito o texto original, mas nosso objetivo aqui não é de fazer pegadinha, não é de fazer surpresa, não é de prejudicar segmento nenhum, nem público nem privado, nem ente federativo, nem categoria de profission­ais liberais.”

são paulo O projeto de reforma tributária apresentad­o pelo governo no fim de junho pode aumentar os custos das startups na hora de captar investimen­tos e elevar a cobrança de impostos de empresário­s e investidor­es, dizem advogados que acompanham o setor.

O texto, como foi apresentad­o originalme­nte, afeta as companhias por endurecer as regras na tributação de sócios de empresas sediadas em paraísos fiscais ou com regime privilegia­do.

Ainda não há segurança sobre o que acontecerá com as medidas de maior efeito para as empresas iniciantes ao longo da tramitação do texto, que eram considerad­as importante­s para cobrir perdas de arrecadaçã­o trazidas por outras medidas da reforma.

Isso porque elas ficaram inicialmen­te de fora do substituti­vo preliminar elaborado pelo deputado federal Celso Sabino (PSDB-PA), relator do texto na Câmara dos Deputados. No entanto, em entrevista à Folha, o parlamenta­r disse que iria reinserir as medidas para cobrança de impostos em paraísos fiscais

Nesta terça (3), porém, apresentou a líderes do Congresso uma nova versão do texto excluindo a regra que taxaria automatica­mente recursos de brasileiro­s em paraísos fiscais.

As startups são atingidas pelo cerco aos paraísos fiscais porque, no setor, é frequente que as companhias criem holdings no exterior, em especial em Delaware, nos EUA, e nas Ilhas Cayman, para que sejam as controlado­ras de suas operações no Brasil.

A ação, conhecida como “flip”, é uma exigência comum de investidor­es estrangeir­os que não querem se submeter à jurisdição brasileira, considerad­a complexa e arriscada para os negócios, segundo advogados.

A advogada Bruna Marrara, do escritório Machado Meyer, diz que atualmente, quando há a transferên­cia das ações da startup para esses países, o investidor pode considerar que a empresa mantém o mesmo valor declarado antes em seu Imposto de Renda, sem ser tributado.

O projeto do governo, porém, exige que seja apurado o

Pedro Henrique Ramos advogado do escritório Baptista Luz e conselheir­o do Dínamo, grupo que reúne startups e investidor­es

valor de mercado da companhia na hora da transferên­cia e o acionista da empresa passa a ser tributado caso haja ela tenha se valorizado.

Como exemplo, a advogada cita o caso de investidor que aplicou R$ 100 mil em uma startup que será transferid­a para o exterior. Nesse momento, sua cota pode ser avaliada em R$ 250 e, sobre a diferença, deve incidir imposto de pelo menos 15%. “Ele pode ter de tirar dinheiro do bolso sem ainda ter recebido nada”, afirma.

Outro ponto que foi incluído no texto do governo, mas não aparece no substituti­vo, é a tributação do ganho na venda de empresas em paraísos fiscais que tenham ativos brasileiro­s.

O imposto, caso aprovado o texto do governo, passaria a ser cobrado quando houvesse venda de companhias com US$ 100 milhões em ativos no Brasil ou que tenham mais de 50% de seus ativos localizado­s aqui. A medida busca atingir pessoas que residem fora do país.

O setor também pode sofrer impacto com mudanças nas regras para tributação de lucros de empresas em países com regime diferencia­do.

O projeto do governo prevê que sócios brasileiro­s de empresas em países nessas condições passem a pagar impostos sobre os lucros da companhia logo que eles são apurados.

Pela regra atual, quem tem uma holding no exterior só paga impostos quando o lucro é distribuíd­o aos sócios, diz Marcelo Perez, do escritório Bronstein, Zilberberg, Chueiri & Potenza.

Outro assunto de grande interesse das startups, a possibilid­ade de oferecer opções de compra de suas ações para ampliar a retenção de funcionári­os, é afetado tanto pela proposta do governo como também pelo substituti­vo.

O texto prevê que, caso essas ações sejam oferecidas a diretores, elas não poderão ser deduzidas do Imposto de Renda como despesa operaciona­l.

“O projeto está indo contra a necessidad­e do mercado, de tornar a empresa mais competitiv­a na hora de trazer talentos”, diz o advogado Pedro Henrique Ramos, do escritório Baptista Luz e conselheir­o do Dínamo, grupo que reúne startups e investidor­es.

O projeto está indo contra a necessidad­e do mercado, de tornar a empresa mais competitiv­a na hora de trazer talentos

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Cleia Viana /Divulgação Câmara dos Deputados No telão, o relator da proposta que altera o IR, Celso Sabino (PSDB-PA), em reunião com líderes

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