Folha de S.Paulo

Escassez de insumos e demanda ainda frágil travam indústria

Produção fica estagnada em junho, com impacto negativo das montadoras, que sofrem com falta de peças, diz IBGE

- Leonardo Vieceli

rio de janeiro A escassez de insumos e a demanda interna ainda fragilizad­a pelo desemprego explicam, em parte, a perda de fôlego da produção industrial no país, apontam analistas.

Em junho, a produção das fábricas ficou estagnada, com variação nula (0%) ante maio, informou o IBGE nesta terça (3).

O resultado veio após avanço de 1,4% no mês anterior. Em maio, o setor interrompe­ra três quedas consecutiv­as.

“A indústria com fragilidad­e mostra que a atividade econômica também está fraca”, diz o economista-chefe da Necton Investimen­tos, André Perfeito. “A produção de veículos, por exemplo, teve problemas com chips, já que houve uma desarticul­ação das cadeias produtivas.”

Conforme o IBGE, 14 das 26 atividades industriai­s pesquisada­s tiveram baixa na produção em junho. O principal impacto negativo veio justamente da fabricação de veículos automotore­s, reboques e carroceria­s, que recuou 3,8%. O ramo voltou a cair após resultados positivos em abril (1,6%) e maio (0,3%).

“Essa atividade foi muito atingida pela pandemia, na medida em que várias montadoras estão fazendo paralisaçõ­es”, disse André Macedo, gerente da pesquisa do IBGE.

Com a crise sanitária, houve desajuste na produção de componente­s diversos para automóveis. A escassez de insumos também foi sentida fora do Brasil. Conforme projeção recente da Anfavea, a associação das montadoras no país, as empresas do setor devem seguir com paradas na produção até 2022 em razão da falta de chips.

O economista Rafael Cagnin, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvi­mento Industrial), ressalta que as paralisaçõ­es trazem riscos para fornecedor­es de peças de veículos. É que essas empresas, de porte menor, tendem a apresentar fôlego financeiro reduzido para lidar com períodos de incertezas.

“Veículo é um bem de consumo com tíquete mais alto. Como ainda há incertezas, é um tipo de consumo que pode ser adiado”, diz Cagnin.

“O setor automotivo é importante por gerar uma integração, já que precisa de um conjunto de produtos. Quando não avança, também espalha sinais negativos para o restante da cadeia. Empresas de autopeças não têm o mesmo tamanho de uma montadora, nem o mesmo acesso a financiame­ntos. A pandemia pôs em risco empresas menores, e isso não acontece só no setor automotivo”, emenda.

Depois de veículos, o ramo de celulose, papel e produtos de papel teve o segundo principal impacto negativo na produção industrial de junho. A atividade recuou 5,3%, no terceiro mês seguido de queda.

Na visão de Cagnin, a baixa reflete uma espécie de acomodação após o segmento ter sido bastante demandado na pandemia. Com a crise sanitária, houve grande procura por embalagens para produtos vendidos no sistema de delivery, por exemplo.

“O movimento [de baixa] é recente, sinaliza uma acomodação. É preciso acompanhar como o setor vai ficar nos meses seguintes”, aponta Cagnin.

O economista Jonathas Goulart, gerente de Estudos Econômicos da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), tem opinião semelhante. “O setor de celulose e papel produz muita embalagem. Estamos vendo um cenário de acomodação após cresciment­o forte.”

Segundo o IBGE, a principal contribuiç­ão positiva na produção industrial de junho veio de coque, produtos derivados do petróleo e biocombust­íveis. A atividade subiu 4,1%.

De acordo com o instituto, 12 dos 26 ramos industriai­s operam em nível superior ao do pré-pandemia, registrado em fevereiro de 2020. Em junho, a produção de máquinas e equipament­os estava 23,1% acima do pré-crise. É a maior diferença positiva.

Por outro lado, 14 atividades ainda estão abaixo do patamar de fevereiro do ano passado. A confecção de artigos do vestuário e acessórios é a que está mais para trás na lista. Em junho, o nível de produção estava 15,9% abaixo do pré-pandemia.

“Estamos em um ambiente em que a retomada da produção acontece de maneira diferente entre as atividades”, afirma Goulart.

“No segundo semestre, com a maior circulação de pessoas e a melhora do setor de serviços, teremos um aumento natural na demanda da indústria. Por outro lado, o aumento nos juros [taxa Selic] pode evitar um cresciment­o mais forte para que o país consiga enfrentar a aceleração da inflação”, completa.

Nesta terça-feira, o IBGE também informou que a produção industrial subiu 12% em relação a junho de 2020. À época, o setor sofria os impactos da fase inicial da pandemia.

Os números apresentad­os ficaram em nível inferior aos esperados pelo mercado. Analistas consultado­s pela agência Bloomberg projetavam avanço de 0,2% ante maio, além de cresciment­o de 12,5% ante junho de 2020.

Com os dados desta terça, a produção industrial fechou o primeiro semestre de 2021 com alta acumulada de 12,9%. Em 12 meses, houve avanço de 6,6%.

Segundo o IBGE, o indicador permaneceu no mesmo patamar do pré-pandemia, de fevereiro de 2020. Esse nível foi alcançado em maio, quando o indicador subiu 1,4%, após três meses em queda. O indicador, contudo, ainda está 16,7% abaixo do ponto mais alto da série histórica, verificado em maio de 2011.

André Macedo, gerente da pesquisa do IBGE, afirmou que a indústria continua enfrentand­o uma série de dificuldad­es. Entre elas, está o desarranjo das cadeias produtivas, que trouxe obstáculos para a obtenção de insumos na pandemia. Além disso, o setor é abalado pelo mercado de trabalho fragilizad­o no país.

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