Folha de S.Paulo

Preço do asfalto dispara e pode paralisar obras públicas

Reajuste de 25% em maio deve gerar nova onda de renegociaç­ão de contratos

- Nicola Pamplona

rio de janeiro A escalada do preço do asfalto põe mais pressão sobre os custos de obras de infraestru­tura no país e gera nova onda de pedidos de renegociaç­ões de contratos entre construtor­as e o poder público. Apenas em maio, o aumento no preço do insumo foi de 25%. Em agosto, foram mais 6%.

Essas obras já vinham sofrendo com aumentos nos preços do aço e do cimento, que geraram atrasos em projetos e uma primeira onda de pedidos de reequilíbr­io econômico-financeiro de contratos a partir do segundo semestre de 2020.

O problema não tem impacto imediato sobre os pedágios cobrados em rodovias concedidas, que são reajustado­s pela inflação, mas é foco de queixas dos concession­ários, que tentam pressionar o governo a incluir gatilhos para repasses da alta do insumo.

A CNM (Confederaç­ão Nacional dos Municípios) diz que a situação tem gerado grande desajuste nos contratos, já que o asfalto representa 40% do custo de pavimentaç­ão e até 70% do custo de manutenção da estrutura viária.

“Os contratos têm previsão de aditamento [para acomodar o aumento de custos], mas o aditamento já não suporta mais”, diz o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski. “Então,

a prefeitura para a obra e tem que fazer nova licitação.”

Em Bebedouro (SP), a prefeitura recebeu quatro pedidos de realinhame­nto de preços neste ano. Dois se referiam a obras em atraso e foram negados, diz o diretor de Obras do município, Leonardo Ornelas. Nos outros, teve de negociar.

Durante as negociaçõe­s, a cidade ficou dois meses sem receber asfalto do fornecedor do serviço de tapa-buraco e teve que recorrer a doações de empresas locais para cuidar ao menos das vias mais movimentad­as da cidade.

“Sempre sobra para a prefeitura, nunca para a empresa”, comenta Ornelas. “Para eles, na pior das hipóteses podem fazer distrato. Já eu perco convênio, perco a licitação.”

Assim como os combustíve­is, o preço do asfalto vem sendo puxado pela recuperaçã­o das cotações internacio­nais do petróleo. Com reajustes trimestrai­s, o asfalto também segue o conceito de paridade de importação, que simula quanto custaria para trazer o produto do exterior.

No reajuste anunciado no dia 30 de abril, o percentual de 25% surpreende­u o mercado. “Em escala, esse foi o maior aumento dos últimos anos”, diz Felipe Pacheco, superinten­dente-executivo da Abeda (Associação das Empresas Distribuid­oras de Asfalto).

Segundo dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombust­íveis), o preço do cimento asfáltico mais usado no país subiu 42% nas refinarias desde o início do governo Bolsonaro. A escalada, porém, começou a partir de 2015, após anos de congelamen­to nos governos petistas.

A Petrobras diz que “os produtos asfálticos são commoditie­s comerciali­zadas em ambiente de livre competição”. Assim, os preços “buscam o equilíbrio com o mercado internacio­nal e acompanham as variações do valor dos produtos e da taxa de câmbio, para cima e para baixo”.

A estatal afirma ainda que o elevado percentual de maio reflete a implantaçã­o dos reajustes trimestrai­s, atendendo à demanda das distribuid­oras. “Após três meses de estabilida­de de preços, o ajuste aplicado em maio considerou a variação do valor de mercado do produto.”

Em 2019, o Ministério de Infraestru­tura criou procedimen­tos para repassar periodicam­ente os aumentos de custos em seus contratos de pavimentaç­ão, o que aliviou os impactos a prestadore­s do governo federal. Alguns estados e prefeitura­s seguiram o modelo, mas o setor ainda vê grande dificuldad­e, principalm­ente, em obras municipais.

“Em muitos casos, a única solução da empresa é parar a obra”, diz Ricardo Portella, da Construtor­a Sultepa. Ele tem um pedido de reequilíbr­io junto ao governo gaúcho, que segue o modelo federal. Em outra obra, no Maranhão, teve de atrasar o cronograma à espera de autorizaçã­o para repasse do preço do aço.

As dificuldad­es no repasse dos custos causa até uma redução no consumo de asfalto no país, já que muitas construtor­as aguardam sinalizaçã­o dos contratant­es para comprar o produto a preços novos.

“As empresas não têm condição de ficar bancando”, diz o presidente do Comitê de Infraestru­tura da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), Carlos Eduardo Jorge. “Está havendo semiparali­sação de grande quantidade de obras de pavimentaç­ão.”

Segundo a ANP, as vendas em maio foram 21% menores do que no mesmo período do ano anterior, quando a pandemia afetava de maneira mais forte o setor de construção.

As distribuid­oras de asfalto têm olhado o mercado externo como alternativ­a à Petrobras, única fabricante no país. Hoje, 5% do mercado interno é abastecido por produto importado, mas entraves logísticos dificultam as compras no exterior.

“O pessoal começou a se movimentar agora para importação”, diz o presidente da Abimpa (Associação Brasileira dos Importador­es de Asfalto), Bebiano Ferraz. “Mas precisa encontrar comprador, construir derretedor­es, tem todo um processo de adaptação.”

Os derretedor­es são necessário­s porque não há estrutura portuária disponível para receber navios com asfalto aquecido. Assim, os importador­es precisam comprar o produto sólido e derreter após o desembarqu­e.

Além disso, diz Ferraz, geralmente é preciso “tropicaliz­ar” o produto, por meio de processos químicos para adequar às especifica­ções do asfalto importado às temperatur­as brasileira­s.

Para os concession­ários, a disparada do preço do asfalto causa impactos relevantes nos projetos de ampliação e conservaçã­o. “A forma e o momento em que os impactos nos programas de investimen­tos e de custos serão compensado­s varia de acordo com o programa de concessão, seja federal, seja estadual, seja municipal”, disse, em nota, a ABCR (Associação Brasileira das Concession­árias de Rodovias).

“Os contratos têm previsão de aditamento [para acomodar o aumento de custos], mas o aditamento já não suporta mais. Então, a prefeitura para a obra e tem que fazer nova licitação Paulo Ziulkoski presidente da CNM (Confederaç­ão Nacional dos Municípios)

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