Folha de S.Paulo

Como editor, Perseu Abramo renovou a cobertura de educação nos anos 1970

- Francesca Angiolillo

FOLHA, 100 HUMANOS DA FOLHA

SÃO PAULO Na casa de Perseu e Zilah Abramo, jantava-se duas vezes. Na primeira, cedo, a mãe comia com os filhos. Na segunda, às 21h ou 22h, quando Perseu chegava da Redação, os filhos acompanhav­am o pai.

“Ele punha numa frigideira tudo junto para esquentar, punha azeite de oliva, estourava um ovo e chamava de comidinha”, lembra Helena Abramo. Todos bicavam daquela refeição enquanto conversava­m.

E era uma casa na qual se conversava muito. “Eles não tinham essa coisa de que certos assuntos não se falam com criança”, conta ela que, segunda de cinco filhos, tinha 11 anos em 1970, quando o pai foi trabalhar na Folha.

Perseu chegou ao jornal levado por Cláudio Abramo, seu tio e então secretário-geral de Redação, que uma década antes já havia lhe delegado a reformulaç­ão da reportagem de O Estado de S. Paulo.

Alexandre Gambirasio foi um dos contratado­s naquela ocasião. Perseu, conta ele, “selecionou vários jovens universitá­rios por um sistema de testes criado por ele mesmo”. Entre outros que entraram para o Estadão, estavam Vladimir Herzog e Luiz Weis —como Gambirasio, “absolutame­nte estreantes”.

Perseu tinha “qualidades raras e valiosas”, diz Gambirasio. Era “grande e minucioso organizado­r interno de editorias e magnífico produtor externo de coberturas e reportagen­s”. Era ainda um “líder nato, professor atento e generoso no treinament­o dos jovens na Redação”.

Essas caracterís­ticas respaldara­m seu retorno ao jornalismo, após oito anos como professor universitá­rio na área de sociologia —primeiro na nascente UnB, a convite de Darcy Ribeiro, experiênci­a de dois anos que terminou com sua prisão, em 1964 ao lado de vários colegas; depois, na Universida­de Federal da Bahia, onde fez seu mestrado.

Na Folha, foi editor de Esporte e da Ilustrada antes do novo desafio.

Laís, a filha mais velha, entrou na USP —como os pais, e depois Helena, para estudar sociologia— em 1972, mesmo ano em que Perseu ficou encarregad­o de pôr no mundo a seção de Educação, e recorda os temas à mesa do jantar.

“Ele acabou acompanhan­do muito o ressurgime­nto do movimento estudantil”, conta Laís.

Perseu abriu espaço para falar de política em meio a um dos períodos mais pesados da ditadura. Os temas da educação eram questões sociais —o surto de meningite, as verbas para o ensino básico, as instalaçõe­s das escolas.

As listas de aprovados no vestibular passaram a ser publicadas. A reforma do ensino e os pleitos de professore­s, bem como os encontros da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), mereciam atenção, fosse nos textos da seção ou na coluna de Perseu aos domingos.

Uma seleta desses textos, ao lado de outros que publicou na imprensa antes e depois, está em “Um Trabalhado­r da Notícia”, livro organizado por sua quarta filha, Bia —o título diz muito sobre como ele via o ofício, sem veleidades intelectua­is. Ser jornalista era como ser operário.

Na experiênci­a em Educação, Perseu fez confluir todas as suas atividades —a do jornalista que nasceu ainda adolescent­e, trocando a escola pelas notícias; a do sociólogo, formado após retomar os estudos por insistênci­a de Zilah Wendel, que conheceu na militância do Partido Socialista Brasileiro; do professor, que no fundo nunca deixou de ser.

O fundo político comum a todas elas desaguaria na atuação sindical. Em 1979, foi uma das lideranças da greve de jornalista­s que tomou as Redações. Passada a paralisaçã­o, foi instado a tirar férias vencidas, que emendou com uma licença médica para tratar de problemas que de há muito exigiam cuidado.

No regresso, foi-lhe oferecida a correspond­ência em Bonn, na Alemanha Ocidental, posto que a situação familiar não permitiria aceitar. Recusou e foi demitido em outubro de 1979.

No ano seguinte, ao lado de Zilah, estaria entre os fundadores do Partido dos Trabalhado­res. Não deixou de colaborar para a imprensa, mas não voltou ao jornalismo diário. Abraçou novamente a vida acadêmica, como professor de jornalismo na PUC-SP.

“O jornalismo é uma variante do método científico, uma forma de apreensão do real”, definiria Perseu em 1984, em entrevista ao jornal Porandubas, da universida­de.

Para apreender o real, defendia que se perseguiss­e a objetivida­de possível, em que o fato aparecesse em sua inteireza e não fosse obnubilado pela forma de sua narração.

Na PUC, elaborou um projeto intitulado “Padrões de Manipulaçã­o na Grande Imprensa”. Publicado como livro, sintetiza com clareza as convicções éticas que perpassam sua trajetória.

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