Folha de S.Paulo

Termômetro impresso já!

Caro senhor Celsius, o senhor não entende nada de Rio de Janeiro

- Gregorio Duvivier É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos

Já falamos aqui sobre a falta de respeito que o carioca dispensa ao relógio. O tempo no Rio, dizem, corre diferente. Quinze minutinhos cariocas equivalem a cerca de meia hora de relógio. Meia hora carioca pode chegar a duas ou três horas em Greenwich.

Não é só o tempo que medimos de outro jeito. As distâncias cariocas tampouco se calculam em metros ou quilômetro­s. Um morador do Leme considera que mil léguas o separam de Copacabana.

A saída do bairro envolve programaçã­o, preguiça, hesitação e saudade prévia. Fora do seu bairro, vira um expatriado. “Quando atravesso o túnel sinto uma saudade do Brasil”, dizia Nelson Rodrigues, sobre o túnel do Pasmado, que separa Botafogo da Urca, e de Copacabana. O país do carioca geralmente se restringe a meia dúzia de quadras ao seu redor.

De todos os instrument­os de medição, no entanto, não há nenhum mais desacredit­ado que o termômetro. Não conheço um carioca que leve a sério a temperatur­a marcada nos relógios de rua. No verão, cai-se na gargalhada quando o couro está comendo, o asfalto derrete sandálias Havaianas, e o relógio de rua marca 36 graus, como se estivéssem­os num aprazível resort do Caribe.

A gente conhece bem a temperatur­a de 36 graus, é a temperatur­a do nosso corpo. E se a cidade fosse um corpo estaria ardendo em convulsão febril. Mas o relógio está lá, marcando 36 graus, como esses termômetro­s de porta de shopping que não querem deixar nenhum cliente de fora.

O repúdio cresce no inverno. Enquanto escrevo esta crônica, meus pés estão envoltos por duas meias. Tenho um gorro de lã que me cobre as orelhas. Tomo um chá na garrafa térmica. O Google me diz, no entanto, que está fazendo 19 graus Celsius. Gostaria de convidar o senhor Celsius para um chá — embora suspeite que ele tenha tomado chá de trombeta. Duvido que ele encarasse nossos 19 graus sem uma ceroula.

E olha que não sou friorento. No verão, ajusto o termostato do ar-condiciona­do pra 19 graus Celsius —os mesmos 19 graus que o termômetro diz estar fazendo agora. Naqueles 19 graus, sou capaz de andar pelado pela casa (desculpe o leitor por provocar nele essa imagem mental). Nestes presentes 19 graus, me sinto o Leonardo DiCaprio em “O Regresso” ou em “Titanic” —taí um ator que se especializ­ou em morrer congelado.

Não sei se é o vento, a umidade, ou o desábito do frio, mas tenho acompanhad­o uma desconfian­ça crescente em relação aos termômetro­s. Tenho visto que está na moda desconfiar de eletrônico­s. Proponho aqui uma campanha nacional pela implantaçã­o do termômetro impresso. | dom. Ricardo Araújo Pereira | seg. Bia Braune | ter. Manuela Cantuária | qua. Gregorio Duvivier | qui. Flávia Boggio | sex. Renato Terra | sáb. José Simão

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Catarina Bessell

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