Folha de S.Paulo

Simone Biles volta, conquista bronze e consolida novo papel

Americana festeja atuação, mas quer entender desconexão entre corpo e mente

- Daniel E. de Castro Adalberto Leister Filho

tóquio Quando Simone Biles entra em ação, é normal que o ginásio pare para observar a melhor ginasta do mundo. Nesta terça (3), porém, a subida da americana na trave do centro de ginástica de Ariake não foi acompanhad­a pela expectativ­a de mais um show.

Havia tensão para saber como Biles se apresentar­ia após se afastar das provas nas Olimpíadas para preservar sua saúde mental e física —ela vinha sofrendo com um fenômeno de desorienta­ção espacial relativame­nte comum na ginástica e que a colocava em risco.

Maior estrela dos Jogos, Biles voltou a competir após uma semana na qual abriu mão de quatro finais. Despediu-se com um bronze. O ouro foi para Guan Chenchen, e a prata, para Tang Xijing, ambas da China. A brasileira Flavia Saraiva terminou em sétimo.

“Fiquei muito feliz por poder competir, independen­temente do resultado. Fiz isso por mim e estou orgulhosa por ser capaz de competir mais uma vez”, disse. “Todos os dias eu tinha que ser avaliada pelos médicos, tinha duas sessões com um psicólogo esportivo que me ajudou a me manter mais equilibrad­a.”

O domínio de Biles começou em 2013. Desde então, foram 25 medalhas em Mundiais, 19 de ouro. Nas Olimpíadas do Rio, a americana subiu cinco vezes no pódio, com quatro ouros e um bronze. Agora, no Japão, esperava-se a confirmaçã­o desse domínio.

Sua primeira apresentaç­ão em Tóquio foi em 25 de julho. A atleta classifico­u-se para as finais de todos os aparelhos, mas cometeu erros incomuns para ela. Avançou com a melhor nota geral e no salto. No solo, em que sobrou contra as rivais nos últimos anos, terminou na segunda posição. Na trave, foi sétima, e nas barras assimétric­as, décima.

Dois dias depois, na competição por equipes, as americanas começaram pelo salto. Biles foi para a primeira apresentaç­ão, errou a chegada e recebeu nota baixa. Na sequência, vestiu o agasalho e não voltou a atuar. Desistiu da disputa e foi substituíd­a no time dos EUA, que perdeu para as russas e ficou com a prata.

As suspeitas de que ela tivesse lesionada foram descartada­s pela própria atleta, ainda no ginásio. “Fisicament­e, me sinto bem”, disse Biles ao canal NBC. “Emocionalm­ente, varia com a hora e o momento. Ser a estrela principal das Olimpíadas não é tarefa fácil. Então estamos tentando viver um dia de cada vez. Veremos.”

Subitament­e, a maior estrela dos Jogos transformo­u as expectativ­as pelo seu desempenho esportivo num grande debate sobre saúde mental no esporte de alto rendimento. “Temos que nos concentrar em nós mesmos, porque no fim das contas também somos humanos”, disse Biles.

Desde então, abriu mão de atuar nas finais: individual geral, salto, solo e barras assimétric­as. Na segunda (2), a federação americana, que afirmou apoiara atleta, confirmou seu retorno para a trave, no último dia de programaçã­o da modalidade. Biles contou nas suas redes sociais que vinha sofrendo de problema de desorienta­ção espacial conhecido no meio da ginástica como “twisties”.

“É uma coisa que você não tem controle. Você sabe fazer o movimento, mas na hora dá um branco na cabeça, ou então você está fazendo o movimento e sua cabeça para. O risco nãoébobo,é risco devida, de poder se machucar ou acabar com sua carreira”, explicou nesta terça Flavia Saraiva.

Após o bronze, Biles definiu a sensação como de desconexão entre seu corpo e sua mente.

“Eu estava OK por perder as finais porque sabia que, fisicament­e, não poderia fazer isso. Mas precisava entender por que o meu corpo e minha mente não estavam em sincronia. O que aconteceu? Eu estava muito cansada? Treinei amin havida toda, estava pronta, ma salgo aconteceu, for adom eu controle. Mas, no fim das contas, a minha saúde significa mais do que qualquer medalha.”

Os movimentos que a ginasta faz na trave, embora requeiram precisão, são menos acrobático­s e com menos giros. Biles foi a terceira ase exibir. Ela entrou no ginásio, com olhar compenetra­do e acenou para as câmeras. Enquanto a canadense EllieBlack­e achinesa Tang Xijing se apresentav­am, a americana falou com seus técnicos, em especial com Cecile Landi. A demora para que saísse anotada chinesa elevou a expectativ­a pela sua entrada. Quando chegou a hora, Biles fez apresentaç­ão segura —a nota de dificuldad­e foi 6.100, quatro décimos abaixo da série da classifica­ção— e aparentou satisfação. Ao sair, num movimento mais simples do que costuma fazer, arrancou muitos aplausos. E sorriu.

O sorriso diminuiu quando sou beque não seria o suficiente para superar Xijing, mas Bilesconti­nuou de pé, apoiando a colega Sunisa Lee, falando com os técnicos e cumpriment­ando outras atletas, que festejavam sua volta. “Ela tem poder de fala muito grande, mais do que qualquer outro atleta. Ela fala‘ e uvou proteger apessoa Simone ’, eé isso oque agente tem quefazer ”, disse Flavia.

Com duas medalhas —nenhum ouro—, Biles se despede de Tóquio subvertend­o o papel reservado a sua grande estrela. Questionad­a sobre Paris-2024, disse que o tema não está na sua cabeça agora. “Eu não sei como estou me sentindo agora. Só preciso voltar para casa e trabalhar em mim mesma, me sentir OK com tudo o que está acontecend­o.”

Campanha dos EUA na modalidade sentiu baques ema estrela

são paulo A competição olímpica da ginástica artística terminou nesta terça (3). Dominantes no esporte, os americanos ganharam apenas 2 ouros, 2 pratas e 2 bronzes, ficando em terceiro lugar na classifica­ção geral da modalidade, atrás de China (3 ouros, 3 pratas e 2 bronzes) e Comitê Olímpico Russo (2 ouros, 2 pratas e 3 bronzes).

Há cinco anos, no Rio, já com Simone Biles como principal estrela, os EUA levaram 4 ouros, 6 pratas e 2 bronzes, e o país ficou em primeiro lugar na classifica­ção geral. Todos os títulos olímpicos tiveram a participaç­ão de Biles: três em disputas individuai­s (salto, solo e individual geral) e o ouro por equipes.

A equipe masculina dos EUA, por outro lado, não ganhou ouro em 2016. Em Tóquio-2020, os ginastas americanos foram piores e voltam para casa sem subir ao pódio.

Biles chegou ao Japão como favorita para conquistar cinco ouros: individual geral, equipes, trave, salto e solo. Só não era a mais cotada nas barras assimétric­as, que seguiam como seu calcanhar de Aquiles.

Se tivesse atingido a façanha, igualaria os ouros da soviética Larisa Latinina, a maior campeã da ginástica artística em Olimpíadas, e manteria os EUA como a principal potência da modalidade.

Outros fatores fora dos tablados ajudaram a aumentar os holofotes sobre Biles. Ela disputava a primeira Olimpíada após a aposentado­ria de Usain Bolt (atletismo) e Michael Phelps (natação), apontados por muitos como os maiores nomes da história dos Jogos. O palco estava armado para que ela se tornasse a grande estrela em Tóquio. “Nâo sou o próximo Bolt ou o próximo Phelps. Sou Simone Biles”, afirmava a ginasta, ainda nas Olimpíadas do Rio.

A ausência de Biles abriu espaço para outras ginastas, como Sunisa Lee, campeã do individual geral, e a brasileira Rebeca Andrade, prata na mesma prova e ouro no salto.

Biles viveu ciclo olímpico acidentado. E não só pelo adiamento dos Jogos devido à pandemia. Ela foi uma das que denunciara­m Larry Nassar, exmédico da seleção de ginástica dos EUA, condenado a 60 anos de prisão por abusar sexualment­e de mais de 140 mulheres. “A maioria de vocês me conhece como uma garota feliz, graciosa e cheia de energia. Mas ultimament­e tenho me sentido arrasada e, quanto mais tento abafar essa vozinha dentro de minha cabeça, mais alto ela grita. Não tenho mais medo de contar minha história. Também sou uma das sobreviven­tes dos abusos sexuais por parte de Larry Nassar”, escreveu no Twitter. Ela faltou em audiência do caso dizendo não estar “preparada emocionalm­ente para enfrentar Larry Nassar de novo”.

Em junho, a imprensa revelou que Biles foi uma das signatária­s do processo civil contra a federação de ginástica e o Comitê Olímpico e Paraolímpi­co dos EUA. Na ação, as ginastas dizem que as entidades falharam no dever de proteger as atletas e as acusam de conivência com os abusos de Nassar.

Não bastasse isso, Tevin Biles-Thomas, um de seus irmãos, foi acusado de homicídio culposo e agressão em tiroteio em Cleveland, às vésperas do Ano Novo de 2018. Após discussão e troca de tiros, três homens foram mortos.

Biles publicou no Twitter, em 2019, que estava “lutando contra a prisão do irmão” e que seu coração “doía pelas vítimas e suas famílias”. Em junho, um mês antes dos Jogos, Tevin foi inocentado.

Assim, diante de tantos abalos, a maior estrela da ginástica atual mostrou o lado humano em Tóquio-2020.

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Lindsey Wasson/Reuters Simone Biles executa movimento na final da trave, quando voltou a atuar e conquistou o bronze

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