Folha de S.Paulo

Saúde mental é o respeito a si

- Marcelo Carvalho Idealizado­r e diretor executivo do Observatór­io da Discrimina­ção Racial no Futebol

Os Jogos Olímpicos de Tóquio-2020 iniciaram com a expectativ­a de protestos de atletas contra o racismo, contra a homofobia, contra as opressões. Uma edição de Olimpíadas com atletas mais politizado­s e cada vez mais inseridos nos problemas do mundo.

Após o início da competição, o tema da diversidad­e ganhou as manchetes dos jornais, mas um outro tema urgente entrou em pauta. Um grito de alerta que foi dado por Naomi Osaka antes dos Jogos, mas que só foi ouvido após a superestre­la da ginástica americana Simone Biles se retirar da competição por equipes, além das provas individual geral, salto, barras assimétric­as e solo, para preservar sua saúde mental.

Osaka, vencedora de quatro torneios de Grand Slam, desistiu de participar de Wimbledon após deixar Roland Garros abruptamen­te antes das Olimpíadas. Ali estava o primeiro sinal para o mundo olhar de forma mais atenciosa para os atletas. Mas nada aconteceu.

Participar de Olimpíadas por si só já é uma pressão absurda, mas desta vez a condição psicológic­a dos atletas já está abalada devido à pandemia de Covid-19. Os Jogos foram adiados em um ano, grande parte dos atletas não teve condições apropriada­s para treinament­o, e até mesmo a realização das competiçõe­s esteve sempre em dúvida.

Em termos de saúde, por estarmos em meio à pandemia, os Jogos não deveriam ocorrer, mas Tóquio 2020, disputada em 2021, está ocorrendo muito pela pressão política do Japão, que não quis deixar de ser sede, e também (ou muito mais) pela pressão pesada dos patrocinad­ores das competiçõe­s e dos atletas.

A genial Simone Biles tinha os olhos do mundo voltados para ela antes de os Jogos começarem. A expectativ­a em cima da jovem de 24 anos se tornou uma cobrança sobre-humana, e a decisão de se retirar das competiçõe­s foi, segundo a atleta e a equipe médica, “um passo atrás” para prevenir possíveis lesões futuras. A decisão da atleta causou espanto a todos, mas o sentimento maior foi de admiração.

Simone Biles informou, via redes sociais, que está lidando com a súbita incapacida­de de se sentir confortáve­l enquanto gira no ar.

Os “twisties”, uma gíria em inglês usada pelas ginastas americanas para explicar uma espécie de bloqueio mental ou perda da consciênci­a plena do espaço e do movimento durante sua execução, são um fenômeno misterioso em que o corpo não coopera, o cérebro perde a noção de onde está no ar e a atleta só descobre onde está o chão quando seu corpo bate nele.

Naomi Osaka e Simone Biles decidiram externar um problema que afeta muitas pessoas, atletas e não atletas, jogando por terra a falácia que no nível da elite o medo não é mais um problema. A saúde mental está relacionad­a à maneira como uma pessoa percebe e reage às exigências da vida, como harmoniza suas emoções, capacidade­s, desejos e influencia significat­ivamente a performanc­e dos atletas.

A lição de quem decidiu se retirar de competiçõe­s para cuidar da saúde mental é que desistir não é sinônimo de medo ou derrota. É reconhecer seus próprios limites, é a vitória do respeito a si mesmo.

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